BARES E RESTAURANTES
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
Ação Estadual de Combate ao Nepotismo
DÚVIDAS MAIS FREQÜENTES
Nesta página, você vai encontrar respostas para as perguntas mais freqüentes sobre o nepotismo e sobre a campanha realizada pelo Ministério Público da Bahia, dentro da mobilização do Grupo Nacional de Combate à Corrupção e Defesa do Patrimônio Público, do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União.
1. O que é nepotismo?
A palavra de origem latina servia, na Idade Média, para denominar a autoridade que os sobrinhos ou netos do papa desempenhavam na administração eclesiástica. No serviço público, nepotismo passou a ser sinônimo de favorecimento sistemático à família. O nepotismo acontece quando parentes do agente público ou membro do poder são contratados para empregos temporários, cargos comissionados ou colocados em função gratificada apenas por causa do laço de parentesco.
2. Por que o nepotismo é ruim?
Porque ele vai contra a profissionalização da gestão. Um agente político ou membro de poder não pode avaliar com idoneidade o trabalho de uma pessoa que faz parte de sua família.
3. Que lei diz que o nepotismo é errado?
A própria Constituição Federal. O artigo 37 obriga as administrações direta e indireta dos três poderes a seguir os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na contratação de funcionários no serviço público. Por estar vedado na própria Constituição, não é preciso lei específica proibindo o nepotismo, o que não impede que municípios, câmaras e outras instituições adotem leis próprias para reforçar a determinação constitucional, estabelecendo outras restrições além daquelas recomendadas pelo Ministério Público.
4. Nepotismo é crime?
Não. Mas quando plenamente comprovada a intenção de dar privilégio a parentes, o agente público ou membro de poder pode ficar sujeito à ação civil pública por ato de improbidade administrativa.
5. Quais as sanções para o ato de improbidade administrativa?
Conforme determina o artigo 11 da Lei 8.429/92: ressarcimento integral do dano ao erário público, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de três anos.
6. O que é considerado nepotismo?
Toda contratação de parentes até o terceiro grau em linha direta ou colateral, consangüíneo ou afim, salvo algumas exceções. Portanto, o agente político ou membro de poder não pode dar emprego público com cargo de provimento em comissão, dar função gratificada ou contratar temporariamente pessoas ou firmas sem licitação pertencentes a:
• Esposa ou esposo
• Filho(a), neto(a) e bisneto(a)
• Pai, mãe, avô, avó, bisavô e bisavó
• Irmão, irmã, tio(a) e sobrinho(a)
• Parentes da esposa ou esposo: pai, mãe, avô, avó, bisavô, bisavó, filho(a), neto(a), bisneto(a), tio(a), irmão, irmã, sobrinho(a)
• Cônjuge do filho(a), neto(a) e bisneto(a)
• Cônjuge do tio(a), irmão, irmã e sobrinho(a)
7. Quais são as exceções?
Não é considerado nepotismo quando:
• O parente já é funcionário efetivo (concursado naquele poder - não vale ser cedido de outro).
• O funcionário efetivo já exercia uma função gratificada no poder antes do seu parente ser eleito.
• No caso de empregos temporários, quando o parente se submeteu a uma seleção prévia.
• No caso de empresas de parentes, quando a firma se submeteu a um processo regular de licitação.
• No entanto, em nenhuma hipótese pode haver relação de hierarquia entre o parente e o gestor. Por exemplo, a esposa do prefeito é professora da rede municipal. Ela pode ser diretora de escola, pois ficaria subordinada ao secretário de educação, mas não poderá assumir cargo de secretária enquanto o marido for o gestor.
8. Parentes de um secretário podem ocupar cargos comissionados em outra secretaria?
Não, porque o impedimento é para todo o Poder Executivo e não apenas no âmbito de cada Secretaria.
9. É nepotismo ter parente empregado em outro poder?
É, quando há reciprocidade. Por exemplo, o prefeito, vice ou secretários têm parentes empregados como funcionários da Câmara Municipal, e os vereadores, por sua vez, têm familiares com cargos na Prefeitura.
Quando não há reciprocidade, não é nepotismo. Portanto, o familiar do agente público e/ou membro de poder pode ocupar cargo comissionado ou função de confiança, desde que isso não configure uma troca de favores.
10. Para que tipo de função é possível contratar através de cargo comissionado?
Apenas funções de chefia, assessoramento ou direção. Quaisquer outros cargos que não tenham estas atribuições devem ser providos por meio de concurso público.
11. Quando termina o prazo para que os agentes políticos e membros de poder exonerem seus parentes?
O prazo termina 90 dias a partir do recebimento da recomendação. Como as mesmas foram expedidas no início de setembro, todos os prazos terminam no início de dezembro. No entanto, os gestores terão 10 dias úteis para enviar ao Promotor de Justiça de seu município um ofício informando que medidas foram adotadas, junto com as portarias de exonerações e rescisões de contratos temporários.
12. O que acontece com quem sequer enviou as informações solicitadas pelo início da campanha?
O órgão, poder ou instituição ficará sujeito a um mandado de segurança ou ação cautelar para que seja forçado a fornecer as informações sobre existência de cargos comissionados, funções gratificadas, contratações temporárias de pessoas ou firmas, bem como sobre a existência de parentes nestas funções.
13. O que acontece com quem não exonerar ou rescindir contratos com parentes?
Fica sujeito a ação civil pública anulatória combinada com obrigação de fazer e não fazer. Pode ainda lhe ser imputado ato de improbidade administrativa quando demonstrado o propósito de favorecer parentes.
14. Se o município tiver uma lei própria sobre o nepotismo, fica livre das ações do Ministério Público da Bahia?
Só se a lei tiver o mesmo (ou maior) nível de restrição daqueles constantes das recomendações expedidas pelo, ou seja, vedar a contratação de pessoas com até o terceiro grau de parentesco em linha direta ou colateral, consangüíneo ou afim (veja pergunta número 6, acima). Se o município tem uma lei contemplando apenas até o segundo grau, isso não livra o gestor ou membro de poder de ficar sujeito à ação para que exonere os parentes de terceiro grau.
15. Como denunciar o nepotismo?
Através do Disque Nepotismo; Centro Operacional de Apoio às Promotorias do Patrimônio Público,com o Promotor de Justiça do município.
Nesta página, você vai encontrar respostas para as perguntas mais freqüentes sobre o nepotismo e sobre a campanha realizada pelo Ministério Público da Bahia, dentro da mobilização do Grupo Nacional de Combate à Corrupção e Defesa do Patrimônio Público, do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União.
1. O que é nepotismo?
A palavra de origem latina servia, na Idade Média, para denominar a autoridade que os sobrinhos ou netos do papa desempenhavam na administração eclesiástica. No serviço público, nepotismo passou a ser sinônimo de favorecimento sistemático à família. O nepotismo acontece quando parentes do agente público ou membro do poder são contratados para empregos temporários, cargos comissionados ou colocados em função gratificada apenas por causa do laço de parentesco.
2. Por que o nepotismo é ruim?
Porque ele vai contra a profissionalização da gestão. Um agente político ou membro de poder não pode avaliar com idoneidade o trabalho de uma pessoa que faz parte de sua família.
3. Que lei diz que o nepotismo é errado?
A própria Constituição Federal. O artigo 37 obriga as administrações direta e indireta dos três poderes a seguir os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na contratação de funcionários no serviço público. Por estar vedado na própria Constituição, não é preciso lei específica proibindo o nepotismo, o que não impede que municípios, câmaras e outras instituições adotem leis próprias para reforçar a determinação constitucional, estabelecendo outras restrições além daquelas recomendadas pelo Ministério Público.
4. Nepotismo é crime?
Não. Mas quando plenamente comprovada a intenção de dar privilégio a parentes, o agente público ou membro de poder pode ficar sujeito à ação civil pública por ato de improbidade administrativa.
5. Quais as sanções para o ato de improbidade administrativa?
Conforme determina o artigo 11 da Lei 8.429/92: ressarcimento integral do dano ao erário público, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de três anos.
6. O que é considerado nepotismo?
Toda contratação de parentes até o terceiro grau em linha direta ou colateral, consangüíneo ou afim, salvo algumas exceções. Portanto, o agente político ou membro de poder não pode dar emprego público com cargo de provimento em comissão, dar função gratificada ou contratar temporariamente pessoas ou firmas sem licitação pertencentes a:
• Esposa ou esposo
• Filho(a), neto(a) e bisneto(a)
• Pai, mãe, avô, avó, bisavô e bisavó
• Irmão, irmã, tio(a) e sobrinho(a)
• Parentes da esposa ou esposo: pai, mãe, avô, avó, bisavô, bisavó, filho(a), neto(a), bisneto(a), tio(a), irmão, irmã, sobrinho(a)
• Cônjuge do filho(a), neto(a) e bisneto(a)
• Cônjuge do tio(a), irmão, irmã e sobrinho(a)
7. Quais são as exceções?
Não é considerado nepotismo quando:
• O parente já é funcionário efetivo (concursado naquele poder - não vale ser cedido de outro).
• O funcionário efetivo já exercia uma função gratificada no poder antes do seu parente ser eleito.
• No caso de empregos temporários, quando o parente se submeteu a uma seleção prévia.
• No caso de empresas de parentes, quando a firma se submeteu a um processo regular de licitação.
• No entanto, em nenhuma hipótese pode haver relação de hierarquia entre o parente e o gestor. Por exemplo, a esposa do prefeito é professora da rede municipal. Ela pode ser diretora de escola, pois ficaria subordinada ao secretário de educação, mas não poderá assumir cargo de secretária enquanto o marido for o gestor.
8. Parentes de um secretário podem ocupar cargos comissionados em outra secretaria?
Não, porque o impedimento é para todo o Poder Executivo e não apenas no âmbito de cada Secretaria.
9. É nepotismo ter parente empregado em outro poder?
É, quando há reciprocidade. Por exemplo, o prefeito, vice ou secretários têm parentes empregados como funcionários da Câmara Municipal, e os vereadores, por sua vez, têm familiares com cargos na Prefeitura.
Quando não há reciprocidade, não é nepotismo. Portanto, o familiar do agente público e/ou membro de poder pode ocupar cargo comissionado ou função de confiança, desde que isso não configure uma troca de favores.
10. Para que tipo de função é possível contratar através de cargo comissionado?
Apenas funções de chefia, assessoramento ou direção. Quaisquer outros cargos que não tenham estas atribuições devem ser providos por meio de concurso público.
11. Quando termina o prazo para que os agentes políticos e membros de poder exonerem seus parentes?
O prazo termina 90 dias a partir do recebimento da recomendação. Como as mesmas foram expedidas no início de setembro, todos os prazos terminam no início de dezembro. No entanto, os gestores terão 10 dias úteis para enviar ao Promotor de Justiça de seu município um ofício informando que medidas foram adotadas, junto com as portarias de exonerações e rescisões de contratos temporários.
12. O que acontece com quem sequer enviou as informações solicitadas pelo início da campanha?
O órgão, poder ou instituição ficará sujeito a um mandado de segurança ou ação cautelar para que seja forçado a fornecer as informações sobre existência de cargos comissionados, funções gratificadas, contratações temporárias de pessoas ou firmas, bem como sobre a existência de parentes nestas funções.
13. O que acontece com quem não exonerar ou rescindir contratos com parentes?
Fica sujeito a ação civil pública anulatória combinada com obrigação de fazer e não fazer. Pode ainda lhe ser imputado ato de improbidade administrativa quando demonstrado o propósito de favorecer parentes.
14. Se o município tiver uma lei própria sobre o nepotismo, fica livre das ações do Ministério Público da Bahia?
Só se a lei tiver o mesmo (ou maior) nível de restrição daqueles constantes das recomendações expedidas pelo, ou seja, vedar a contratação de pessoas com até o terceiro grau de parentesco em linha direta ou colateral, consangüíneo ou afim (veja pergunta número 6, acima). Se o município tem uma lei contemplando apenas até o segundo grau, isso não livra o gestor ou membro de poder de ficar sujeito à ação para que exonere os parentes de terceiro grau.
15. Como denunciar o nepotismo?
Através do Disque Nepotismo; Centro Operacional de Apoio às Promotorias do Patrimônio Público,com o Promotor de Justiça do município.
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Após vento forte na praia, garis retiram areia que invadiu calçadão do Sitio do Conde.
Com o auxílio de uma retroescavadeira, garis retiram, na manhã desta terça-feira (27), a areia que invadiu o calçadão da praia do Sitio do Conde, após o forte vento do mar que atingiu a orla.
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segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Programação das festividades do padroeiro S.Francisco de Assis do Sitio do Conde.
As festividades do Padroeiro São Francisco de Assis, vai ser realizadas nos dias 30/09 a 04/10 e Nos dias 01/10 e 02/10 acontecerão shows com as principais atrações: show de mulher, timbalié, Maysa reis e blek staile.
02/10 - Acontecerá à lavagem da Igreja
03/10 – haverá quermesse com apresentação de bandas locais e 1º concursos de talentos e todas as noites haverá barracas com doces, comidas típicas da região e outros atrativos do Sitio do Conde.
04/10 - Dia festivo de São Francisco de Assis
05:00h - Alvorada
10:00h - Missa Solene e batizados com Padre Joílson
Convidados:Padre Bernardo e Frei Fernando
16:00h - Procissão e Benção do Santíssimo
PAZ E BEM
Cristo Deus nosso criador. Ensina-nos a perceber na vida terrena o começo da vida celestial e eterna. E que possamos celebrar o ressurgimento do nosso projeto para todo mundo. Amém.
Venha participar você também!
02/10 - Acontecerá à lavagem da Igreja
03/10 – haverá quermesse com apresentação de bandas locais e 1º concursos de talentos e todas as noites haverá barracas com doces, comidas típicas da região e outros atrativos do Sitio do Conde.
04/10 - Dia festivo de São Francisco de Assis
05:00h - Alvorada
10:00h - Missa Solene e batizados com Padre Joílson
Convidados:Padre Bernardo e Frei Fernando
16:00h - Procissão e Benção do Santíssimo
PAZ E BEM
Cristo Deus nosso criador. Ensina-nos a perceber na vida terrena o começo da vida celestial e eterna. E que possamos celebrar o ressurgimento do nosso projeto para todo mundo. Amém.
Venha participar você também!
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Moradores do Sitio do Conde agradece prefeitura por iluminação e recuperação de buracos
A Prefeitura de Conde foi elogiada pelos moradores do Sitio do Conde, os elogios partiu da ativista feita pelos serviços de recuperação de ruas e da iluminação da cidade.
A obra foi executada pela Secretária de obras, órgão executor do Programa de Iluminação Pública da cidade e de recuperação de buracos de ruas. Segundo moradores, as ruas estavam muito escuras, devido às copas das arvores, pés de oitis nativos. Mas isso não barrou a vontade da equipe do portal do sitio do conde e dos demais moradores da cidade.
A equipe do portal do sitio do conde e os moradores do Sitio também deixa claro que esses serviços que estão sendo realizado, que não seja pela festividade do padroeiro S. Francisco de Assis,a nossa cidade estava no abondono total.
A obra foi executada pela Secretária de obras, órgão executor do Programa de Iluminação Pública da cidade e de recuperação de buracos de ruas. Segundo moradores, as ruas estavam muito escuras, devido às copas das arvores, pés de oitis nativos. Mas isso não barrou a vontade da equipe do portal do sitio do conde e dos demais moradores da cidade.
A equipe do portal do sitio do conde e os moradores do Sitio também deixa claro que esses serviços que estão sendo realizado, que não seja pela festividade do padroeiro S. Francisco de Assis,a nossa cidade estava no abondono total.
A 1ª forró-micareta alegria do Povoado Cobó Conde Bahia
Neste sabádo 24 e 25 acontecerá a micareta do Cobó, e você não pode ficar de fora, venha participar dessa grande folia com trios e bandas swingueira da bahia e o que que isso.
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Programação das festividades do padroeiro do Sitio do Conde, São Francisco de Ássis
Giovanni di Pietro di Bernardone, mais conhecido como São Francisco de Assis (Assis, 5 de julho 1182 [1] — 3 de outubro de 1226), foi um frade católico da Itália. Depois de uma juventude irrequieta e mundana, voltou-se para uma vida religiosa de completa pobreza, fundando a ordem mendicante dos Frades Menores, mais conhecidos como Franciscanos, que renovaram o Catolicismo de seu tempo. Com o hábito da pregação itinerante, quando os religiosos de seu tempo estavam mais ligados aos mosteiros rurais, e com sua crença de que o Evangelho devia ser seguido à risca, imitando-se a vida de Cristo, desenvolveu uma profunda identificação com os problemas de seus semelhantes e com a humanidade do próprio Cristo. Sua atitude foi original também quando afirmou a bondade e a maravilha da Criação, quando se dedicou aos mais pobres dos pobres, e quando amou todas as criaturas chamando-as de irmãos. Alguns estudiosos afirmam que sua visão positiva da natureza e do homem, que impregnou a imaginação de toda a sociedade de sua época, foi uma das forças primeiras que levaram à formação da filosofia da Renascença.[2]
Dante Alighieri disse que ele foi uma "luz que brilhou sobre o mundo", e para muitos ele foi a maior figura do Cristianismo desde Jesus, mas a despeito do enorme prestígio de que ele desfruta até os dias de hoje nos círculos cristãos, que fez sua vida e mensagem serem envoltas em copioso folclore e darem origem a inumeráveis representações na arte, a pesquisa acadêmica moderna sugere que ainda há muito por elucidar quanto aos aspectos políticos de sua atuação, e que devem ser mais exploradas as conexões desses aspectos com o seu misticismo pessoal. Sua vida é reconstruída a partir de biografias escritas pouco após sua morte e,segundo alguns críticos, essas fontes primitivas ainda estão à espera de edições críticas mais profundas e completas, pois apresentariam contradições factuais e seriam inclinadas a fazer uma apologia de seu caráter e obras e, assim, deveriam ser analisadas sob uma óptica mais científica e mais isenta de apreciações emocionais do que tem ocorrido até agora, a fim de que sua verdadeira estatura como figura histórica e social, e não apenas religiosa, se esclareça. De qualquer forma, sua posição como um dos grandes santos da Cristandade se firmou enquanto ele ainda era vivo, e permanece inabalada. Foi canonizado pela Igreja Católica menos de dois anos após falecer, em 1228, e por seu apreço à natureza é mundialmente conhecido como o santo patrono dos animais e do meio ambiente.[3]
Biografia
Juventude e conversão
Casa onde Francisco nasceu, Assis.
Era filho do comerciante italiano Pietro di Bernadone dei Moriconi e sua esposa Pica Bourlemont, cuja família tinha raízes francesas. Os pais de Francisco faziam parte da burguesia da cidade de Assis, e graças a negócios bem sucedidos na Provença, França, conquistaram riqueza e bem estar. Na ausência do pai, em viagem à França, sua mãe o batizou com o nome de Giovanni (João, em português, a partir do profeta São João Batista) na igreja construída em homenagem ao padroeiro da cidade, o mártir Rufino. A origem de seu nome Francesco (Francisco) é incerta. Para uns, depois de uma viagem à França, onde o menino teria ficado cativado pela vida francesa, sua música, sua poesia e seu povo, seu pai teria começado a chamá-lo de "francesco", que significa "francês" em italiano. Para outros seu pai teria feito, em vez, uma homenagem ao país natal de sua esposa, embora não haja provas de sua naturalidade francesa. Também foi sugerido que o nome foi dado por seu gosto pela língua francesa, que perdurou por toda a vida de Francisco e era em sua época a linguagem por excelência da literatura cavaleiresca e da expressão amorosa.[4][5]
O nascimento de São Francisco. Pintura anônima na igreja do Convento de Santo Antônio da Paraíba
O menino cresceu e se tornou um jovem popular entre seus amigos, por sua indisciplina e extravagâncias, por sua paixão pelas aventuras, pelas roupas da moda e pela bebida, e por sua liberalidade com o dinheiro, mas mostrava uma índole bondosa. Era nessa época fascinado pelas histórias de cavalaria, e desejava ganhar fama como um herói. Assim, em 1202 alistou-se como soldado na guerra que Assis desenvolvia contra Peruggia, mas foi capturado e permaneceu preso, à espera de um resgate, por cerca de um ano. Ao ser libertado caiu doente, com episódios de febre que duraram quase todo o ano de 1204. Ali se apresentaram as duas afecções que o acompanharam por toda a sua vida: problemas de visão e no aparelho digestivo.[4][5]
Depois de recuperado tentou novamente a carreira das armas, engajou-se em 1205 no exército papal que lutava contra Frederico II, incentivado por um sonho que tivera. Nele apareceu-lhe alguém chamando-o pelo nome e levando-o a um rico palácio, onde vivia uma linda donzela, e que estava cheio de armas resplandecentes e outros apetrechos de guerra. Indagando de quem eram essas armas esplêndidas e o palácio magnífico, foi-lhe respondido que tudo aquilo era seu e de seus soldados. Animado com a perspectiva de glória, pôs-se a caminho, mas no trajeto teve outro sonho, ou uma visão, onde ouviu, segundo a versão da Legenda trium sociorum, uma voz a dizer: Quem te pode ser de mais proveito? O senhor ou o servo? Como Francisco respondesse: 0 senhor, ouviu novamente a voz: Então por que deixas o senhor pelo servo e o príncipe pelo vassalo?. Confundido, Francisco disse: Que queres que eu faça?, e a voz replicou: Volta para tua terra, e te será dito o que haverás de fazer. Pois deves entender de outro modo a visão que tiveste.[6]
O crucifixo de São Damião. Mestre anônimo do século XII, hoje na Basílica de Santa Clara, Assis.
Giotto di Bondone: Renúncia aos bens mundanos, 1297-1299. Basílica de São Francisco de Assis, Assis.
Poucos dias depois, já em Assis, durante uma algazarra com seus amigos, teria sido tocado pela presença divina, e desde então, segundo a Legenda, começou a perder o interesse por seus antigos hábitos de vida e mostrar preocupação pelos necessitados. Eleito "rei da juventude" em um festejo folclórico tradicional, em vez de preparar-se para a entrada em uma vida de casado, como seria o costume, retirou-se, conforme relatou seu primeiro biógrafo Tomás de Celano, para uma caverna a fim de meditar, acompanhado de apenas um amigo fiel, para quem revelou suas preocupações e seu desejo de obter o tesouro da sabedoria e de desposar a vida religiosa. Mas ainda era um período de hesitação. Quando tinha arroubos de devoção e os expressava publicamente, era ridicularizado; tinha pesadelos com uma horrível mulher corcunda, e imaginava que esta era a imagem de sua futura vida de pobreza.[5]
Certo dia saiu em um passeio pelos campos nos arredores, e ao penetrar em uma clareira ouviu o som do sino que os leprosos, proscritos pela sociedade, deviam usar para indicar a sua aproximação, e logo se viu frente a frente com o homem doente. Fazia frio e o leproso tinha apenas trapos sobre o corpo. Francisco sempre sentira repulsa dos leprosos, mas nesse momento desceu de seu cavalo e cobriu o homem com seu próprio manto. Espantado consigo mesmo, olhou nos olhos do outro, e viu sua gratidão, e enquanto ele mesmo chorava, beijou aquele rosto deformado pela moléstia. Este parece ter sido o ponto de virada em sua vida, mas sua vocação não se declarou toda subitamente, e a cronologia desses e outros episódios preparatórios para sua conversão não é clara nas fontes antigas. Também parece ter tentado seguir o ofício de seu pai, mas sem conseguir devotar-se a ele. Ao contrário, estava cada vez mais interessado em ajudar os pobres.[4]
Mas certa feita entrou para orar na igreja de São Damião, fora das portas da cidade, e ali, diz a tradição, ele ouviu pela primeira vez a voz de Cristo, que lhe falou de um crucifixo. A voz chamou a sua atenção para o estado de ruína de sua Igreja, e instou para que Francisco a reconstruísse. Imediatamente voltou para sua casa, recolheu diversos tecidos caros da loja de seu pai e os vendeu a baixo preço no mercado da cidade, e voltou para a igreja onde tivera sua revelação doando o dinheiro para o padre, a fim de que ele restaurasse o prédio decadente. Ao saber disso o pai se enfureceu e mandou que o buscassem. Atemorizado, Francisco se escondeu em um celeiro, onde seu amigo lhe levava um pouco de comida. Passado algum tempo, decidiu revelar-se, e diante do povo de Assis se acusou de preguiçoso e desocupado. A multidão o tomou por louco e divertiu-se apedrejando-o. O pai ouviu o tumulto e o recolheu para sua casa, mas o acorrentou no porão. Alguns dias depois sua mãe, por compaixão, livrou-o das correntes, e Francisco foi buscar refúgio junto ao bispo. O pai seguiu-o e o acusou de dissipador de sua fortuna, reclamando uma compensação pelo que ele havia tirado sem licença de sua loja. Então, para a surpresa de todos, Francisco despiu todas as suas belas roupas e as colocou aos pés do pai, renunciou à sua herança, pediu a bênção do bispo e partiu, completamente nu, para iniciar uma vida de pobreza junto do povo, da qual jamais retornou.[4][5] O bispo viu nesse gesto um sinal divino e se tornou seu protetor pelo resto da vida.[7]
A fundação da Ordem e primeiras obras
Ordem dos Frades Menores
Francisco, tomando ao pé da letra o que o crucifixo de São Damião ordenara, iniciou sua nova vida como pedreiro, ajudando a reconstruir diversas igrejas nos arredores de Assis - esta de São Damião, a de São Pedro e a da Porciúncula, que segundo São Boaventura era a que ele mais amava. Nela descobriu, em 1208 ou 1209, na leitura de uma passagem do evangelho de Mateus, as linhas gerais que orientaram sua vocação:
"Ide, disse o Salvador, e proclamai em todas as partes que o Reino do Céu está aberto. Vós recebestes gratuitamente; dai sem receber pagamento. Não leveis nem ouro, nem prata nem cobre em vossos cintos, nem um alforje, nem uma segunda túnica, nem sandálias, nem o cajado de viajante, pois o trabalhador merece ser sustentado. Em qualquer vila em que entrardes procurai alguma pessoa digna, e hospedai-vos com ela até partirdes. E quando entrardes em uma casa, saudai-a; se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; mas, se não for digna, torne para vós a vossa paz."[8]
Dessa forma, de devoto passou a ser missionário, e começou a pregação da palavra divina, fazendo seus primeiros conversos, entre eles Bernardo de Quintavalle, um rico burguês de Assis, que vendeu tudo o que tinha para dar aos pobres, Pietro Cattani, que foi mais tarde seu sucessor na Ordem, e o Irmão Giles. Nesse período inicial, segundo Celano, teve uma revelação do futuro brilhante de sua Ordem, e ao mesmo tempo das provações que estavam pela frente. Diz o cronista:
"No começo desta nossa vida vamos encontrar alguns frutos doces e deliciosos. Depois serão oferecidos outros de menor sabor e doçura. No fim, serão dados alguns cheios de amargor, de que não poderemos viver, porque sua acidez será intragável para todos, apesar da aparência de frutos belos e cheirosos. Entretanto, como vos disse, o Senhor fará de nós um grande povo"[9]
Giotto: Francisco e seus companheiros diante de Inocêncio III, 1297-1299. Basílica de São Francisco de Assis, Assis.
Anônimo: São Francisco cortando os cabelos de Santa Clara em sua ordenação, século XV. Deutsches Historisches Museum.
Tendo reunido mais um grupo de seguidores, dirigiu-se para Roma a fim de obter do papa a autorização da primeira Regra para a fundação de sua Ordem, a chamada Regra primitiva, que prescrevia uma pobreza absoluta para os monges e para a Ordem, em imitação literal da vida de Jesus Cristo e seus apóstolos conforme narrada nos Evangelhos, que não possuíam nada pessoalmente nem em comum. Segundo o cronista inglês Matthew Paris, lá chegando, sujos e vestidos pobremente, foram ridicularizados pela corte de Inocêncio III, que mandou não aborrecê-lo com sua Regra, considerada excessivamente rigorosa e impraticável, e que fosse pregar entre os porcos. Tendo-o feito num chiqueiro próximo, coberto de lama voltou para o papa, que refletindo um momento, decidiu recebê-los em uma audiência formal depois que se lavassem. Francisco e seus amigos se prepararam então para esse outro encontro conseguindo o apoio de prelados eminentes para a sua causa. Segundo os relatos antigos, nesse ínterim Inocêncio teve um sonho, onde viu a Basílica de São João de Latrão prestes a desabar, apenas sustentada por um pobre religioso, que ele interpretou como sendo Francisco. Com a recomendação favorável de alguns conselheiros e com o aviso recebido em sonho, Inocêncio finalmente autorizou a Regra, mas não por escrito, nem outorgou o estatuto de Ordem maior ao grupo, apenas permitiu que pregassem e dessem socorro moral às pessoas, mas acrescentando que se eles conseguissem frutos de seu trabalho, voltassem a ele para que sua situação fosse completamente regularizada. Alguns relatos antigos, como o deixado por Roger de Wendover, sugerem que Francisco e seus companheiros não ficaram completamente satisfeitos com o resultado de seu encontro com o papa, e em seu caminho de volta, ao pararem em Spoleto, parece ter havido uma crise entre o grupo. Alguns teriam se inclinado a abandonar a pregação para viverem como monges eremitas, desiludidos com a ostentação de luxo da corte papal. Também nessa ocasião parece ter ocorrido o célebre Sermão aos pássaros, mas os cronistas divergem na sua descrição. Para Wendover ele foi a manifestação da revolta de Francisco, que teria mandado as aves devorarem os poderosos, mas os que seguem a versão de Celano o referem como um idílio cheio de poesia e doçura.[10][11]
Chegando em Assis, instalaram-se em uma cabana no campo, onde se dedicaram ao cuidado dos leprosos, ao trabalho manual e à pregação, vivendo de esmolas. Logo a cabana se tornou pequena para o crescente número de irmãos, mas o abade do mosteiro beneditino do Monte Subásio lhes concedeu em fins de 1210 o uso da capela da Porciúncula e de uma terra adjacente. Entre os novos amigos de Francisco estavam o Irmão Leo, seu futuro confessor e amigo inseparável, o Irmão Ruffino, que segundo a lenda pregava até dormindo, o Irmão Juniper, o Irmão Masseo e o Irmão Illuminato. Nesse período sua pregação já alcançara toda a região entorno, mas não eram sempre bem recebidos. Em 1212 a Ordem foi enriquecida com a primeira mulher, Clara d'Offreducci, a futura Santa Clara, fundadora do ramo feminino dos Frades Menores, as Clarissas, que logo trouxe suas irmãs, a quem foi dado o uso da capela de São Damião. No mesmo ano fizeram sua primeira tentativa, frustrada, de evangelizar os sarracenos na Síria, mas não conseguiram chegar ao seu destino e acabaram voltando a Assis com grande dificuldade. Durante a viagem de navio, conta a tradição que o santo fez o milagre de pacificar uma tempestade e de multiplicar a comida dos marinheiros, que terminava. Nessa época seus milagres foram numerosos. Em Ascoli curou enfermos e fez muitas conversões, em Arezzo os arreios de um cavalo que ele havia tocado curaram uma mãe em perigoso trabalho de parto, em Narni curou um paralítico, em San Gimignano expulsou demônios, e em Gubbio pacificou um lobo que assolava a região, entre muitos outros prodígios. Sua fama como santo já se espalhava, e recebeu em doação o monte Alverne para que erguesse ali um refúgio para os irmãos. Em 1214 se dirigiu para o Marrocos para pregar entre os mouros, mas só pôde chegar à Espanha, onde caiu doente, mas outros irmãos prosseguiram.[12] Em 1219, durante a Primeira Cruzada, foi ao Egito, encontrou-se com os cruzados que assediavam Damietta, profetizando sua derrota, em seguida manteve uma entrevista com o sultão Al-Kamil que, impressionado, ao fim da visita pediu que Francisco orasse para que Deus lhe mostrasse a forma de cultuá-lo que fosse de seu agrado e permitiu que pregasse entre seus súditos.[13] Dali passou para a Palestina, peregrinando pelos lugares santos, onde recebeu a notícia de que os irmãos no Marrocos haviam sido martirizados, e que a comunidade em Assis, na sua longa ausência, estava em crise.[12]
Reforma da Ordem
Voltou à Itália e passou por Roma a fim de obter ajuda do papa. Quando chegou em Assis viu que seus ideais haviam sido abandonados e reinava grande confusão entre os irmãos. Alguns se haviam tornado vagabundos e se associavam com mulheres, outros queriam erguer igrejas suntuosas, abandonar o rigorismo da Regra inicial, dedicar-se aos estudos eruditos, e pediam favores e privilégios para o papa. Ao mesmo tempo, a liberdade de pensamento outorgada pela Regra primitiva, que permitia o questionamento de preceitos e ordens percebidos como contrários à consciência, havia degenerado em disputas constantes de opinião entre os irmãos e em desobediência. Pelo menos em um caso a reação de Francisco foi violenta. Em Bolonha, onde o Irmão João fundara um colégio, expulsou todos de lá, inclusive os doentes. Depois teve de aceitar, com a intervenção papal, várias mudanças importantes. Foi estabelecido o período probatório de um ano para novos candidatos, um representante do papa foi indicado governador e corregedor da Ordem, e Francisco passou a administração da comunidade para o Irmão Pietro Cattani, logo substituído pelo Irmão Elias, enquanto que Francisco permanecia apenas como guia espiritual. Foi criada a Ordem Terceira para os irmãos leigos, foi autorizado o estudo avançado de teologia, e o Francisco elaborou uma Segunda regra, em 1221, tentando torná-la o mais clara e inequívoca possível. Ainda assim a Segunda regra, também chamada Regra não bulada, se revelou ineficaz para a solução da crise, era em essência a mesma, e foi solicitada nova revisão para Francisco, auxiliado pelos irmãos Leo e Bonizzo.[14][15] Segundo o relato do Speculum perfectionis, prevendo que Francisco não cederia em muito, o Irmão Elias, acompanhado de outros, foi ao encontro de Francisco e solicitou um abrandamento no texto, e nesse momento todos teriam ouvido a voz de Cristo dizendo que desejava preservar a pureza do conteúdo dos Evangelhos e que quem não se conformasse deixasse a Ordem.[16]
Ficando pronto em 1223, aparentemente com poucas modificações novas, o novo texto foi enviado para Roma para aprovação papal, mas recebeu ainda muitos outros ajustes e cortes do cardeal Ugolino e finalmente foi confirmado pelo papa Honório III, na bula Solet annuere, de 29 de novembro de 1223, e por isso é chamada de a Regra bulada. O texto da Regra primitiva resultou ainda mais profundamente alterado; a maioria das citações do Evangelho e as passagens poéticas foram removidas e substituídas por fórmulas legais. O artigo que autorizava a desobediência de superiores indignos foi excluído, assim como os que prescreviam o cuidado dos leprosos, junto com todas as obrigações de pobreza absoluta. Já não se insistia no trabalho manual e se permitiu que os irmãos usassem quaisquer livros, que naquela época eram raros artigos de luxo.[14][15] A seguir um trecho comparativo entre as regras Não bulada e a Bulada, referente ao modo como os frades deviam trabalhar:
Regra não bulada Regra bulada
Todos os frades, em qualquer lugar em que estiverem em casa de outros para servir ou trabalhar, não sejam mordomos nem chanceleres nem estejam à frente das casas em que servem; nem recebam algum emprego que cause escândalo ou produza detrimento para sua alma (Mc. 8,36); mas sejam menores e submissos a todos que estão na mesma casa. E os frades, que sabem trabalhar, trabalhem e exerçam o mesmo ofício que sabem, se não for contra a salvação da alma e puder ser feito honradamente. Pois diz o profeta: Comerás os trabalhos dos teus frutos; és feliz e estarás bem (Sl 127,2); e o apóstolo: Quem não quer trabalhar, não coma (cfr. 2Ts 3,10); e cada um fique na arte e ofício em que foi chamado (cfr. 1Cor 7,24). E pelo trabalho possam receber tudo que for necessário, menos dinheiro. E quando for necessário, vão pela esmola como os outros pobres. E possam ter ferramentas e instrumentos convenientes para seus ofícios. Todos os frades esforcem-se por suar em boas obras (S Greg. M. Hom. 13 in Ev.), porque está escrito: Faz sempre alguma coisa boa, para que o diabo te encontre ocupado (S. Jeron. Ep. 125,11). E ainda: A ociosidade é inimiga da alma (S. Bern. Reg. 48,1). Por isso os servos de Deus devem insistir sempre na oração ou em alguma obra boa. Guardem-se os frades, onde quer que estejam, em eremitérios ou outros lugares, de apropriar-se de lugar algum ou de impedi-lo a alguém. E quem quer que venha a eles, amigo ou adversário, ladrão ou assaltante, receba-se benignamente. E onde quer que estejam os frades e onde quer que se encontrem, devem voltar a ver-se e honrar-se espiritual e diligentemente mutuamente sem murmuração (1Pd 4,9). E cuidem de não se mostrar tristes por fora e sombrios hipócritas; mas se mostrem alegres no Senhor (Fl. 4,4) e bem humorados e convenientemente amáveis.[17]
Os frades a quem o Senhor deu a graça de trabalhar, trabalhem fiel e devotamente, de modo que, afastando o ócio inimigo da alma, não extingam o espírito da santa oração e devoção, ao qual as outras coisas temporais devem servir. Como mercê do trabalho recebam para si e seus irmãos o necessário para o corpo, menos dinheiro ou pecúnia, e isso humildemente, como convém a servos de Deus e seguidores da santíssima pobreza.[18]
A Regra Bulada, preservada na Basílica de Assis
Impostas pela hierarquia eclesiástica romana e pela pressão de parte de seus próprios companheiros, essas mudanças pouco refletiam o espírito original franciscano, mas foram inevitáveis diante da tensão entre um grupo que crescia, se diversificava e estava prestes a perder sua unidade, e a necessidade de mantê-lo funcional e organizado. Mas expressavam ainda o conflito aberto entre a hierarquia espiritual e a institucional. Francisco via a si mesmo como o mensageiro de um mandado divino, crendo que sua Regra não podia ser alterada sem traição a Cristo que o inspirava e que era a autoridade suprema a ser considerada, a quem o próprio papa devia subordinação, mas parece não ter compreendido que Cristo não falava ao papa nem aos monges, somente ele ouvia sua voz, e assim inevitavelmente sua credibilidade e a propriedade de sua intransigência eram postas em dúvida.[19] Segundo os relatos a Regra bulada só foi aceita por Francisco por força da obediência que devia ao papa como líder da Igreja, da qual jamais quis afastar-se, mas submeteu-se, com grande pesar, e os seus primeiros biógrafos referem este período como o da sua "grande tentação", a de abandonar todo o trabalho. Por fim aceitou o fato consumado, e entregando os frutos para Deus, pacificou-se.[14]
Anos finais e morte
Seus anos finais foram passados em tranquilidade interior, quando segundo seus biógrafos primitivos seu amor e compaixão por todas as criaturas fluíam abundantes, ao mesmo tempo em que ele experimentava repetidas visões e êxtases místicos, fazia outros milagres, continuava a percorrer a região em pregações, e multidões acorriam para vê-lo e tocá-lo. No Natal de 1223 foi convidado pelo senhor de Greccio para celebrar a festa numa gruta com pastores e animais, desejando recriar o nascimento de Cristo em Belém, sendo a origem da tradição dos presépios. Na primavera seguinte viajou para a Porciúncula a fim de assistir a reunião do Capítulo Geral, e em seguida retirou-se para o santuário do Monte Alverne, acompanhado dos irmãos Leo, Ruffino, Angelo, Silvestre, Illuminato, Masseo e talvez também Bonizzo. Muitas vezes os deixava e se embrenhava nas matas, a fim de meditar solitário, levando consigo apenas os Evangelhos e comendo muito pouco.[20] Às vezes o Irmão Leo, em segredo, o observava, e por mais de uma vez testemunhou seus êxtases e viu parte das visões que o santo via. Nos estados contemplativos eram-lhe reveladas por Deus não somente coisas do presente, mas também do futuro, assim como lhe fazia conhecer as dúvidas, os secretos desejos e os pensamentos dos irmãos. Numa dessas ocasiões, segundo relata a coletânea I Fioretti di San Francesco, o Irmão Leo o viu levar a mão ao peito e parecer tirar algo de lá e oferecer a uma língua de fogo que descera sobre ele. Perguntando depois o que sucedera, Francisco respondeu:
"Por que vieste aqui, irmão cordeirinho? Diz-me: viste ou ouviste alguma coisa?
"Leo respondeu: Pai, ouvi-te falar e repetir várias vezes: 'Quem és Tu? Quem és Tu, oh dulcíssimo Deus? E eu quem sou, verme desprezível e teu inútil servo?'
"Ao que Francisco disse: Sabe, irmão cordeirinho de Jesus Cristo, que, enquanto eu dizia aquelas palavras que ouviste, eram nesse momento mostradas à minha alma duas luzes, uma a da revelação e do conhecimento do Criador, a outra a do conhecimento de mim mesmo. Quando eu dizia 'Quem és Tu, oh meu dulcíssimo Deus?', estava numa luz de contemplação na qual via o abismo de infinita bondade, sabedoria e poder de Deus; e quando dizia 'Que sou eu, etc.', estava numa luz de contemplação na qual via a profundidade lamentável da minha abjeção e miséria, e era por isso que indagava do Senhor da infinita bondade o mistério de Ele dignar-Se a visitar-me, a mim que não sou mais que um verme desprezível e inútil. E entre outras coisas que Ele me disse, pediu-me que Lhe fizesse três dádivas, e eu respondi-Lhe: 'Meu Senhor, sou Teu, e bem sabes que nada tenho além da túnica, da corda e das bragas, e estas três coisas também são Tuas. Que posso pois oferecer ou dar à Tua majestade?' Então Deus disse-me: 'Procura no teu íntimo e oferece-me o que lá encontrares.' Eu procurei e encontrei lá uma bola de ouro e ofereci-a a Deus; e fiz isso três vezes, pois três vezes Deus mo ordenou; depois ajoelhei três vezes e bendisse e agradeci a Deus que me dera alguma coisa para eu Lhe oferecer. E logo me foi dado compreender que essas três oferendas significavam a santa obediência, a extrema pobreza e a belíssima castidade que Deus, por Sua graça, me concedeu observar tão perfeitamente. E como Deus depositara no meu íntimo aquelas três bolas de ouro, assim também deu à minha alma essa virtude de sempre O louvar e enaltecer, com o coração e a boca, por todos os bens e por todas as graças que Ele me concedeu, por Sua santíssima bondade."[21]
Giotto: Estigmatização de São Francisco (detalhe), c. 1300. Museu do Louvre.
Basílica de São Francisco de Assis, Assis.
Durante uma dessas meditações, em 14 de setembro de 1224, no dia da festa da Exaltação da Cruz, Francisco viu a figura de um homem com seis asas, semelhante a um serafim, e pregado a uma cruz, e à medida que continuava na contemplação, que lhe dava imensa felicidade mas era sombreada de tristeza, sentiu se abrirem em seu corpo as feridas que o tornaram uma imitação do próprio Cristo crucificado. Foi, dessa forma, o primeiro cristão a ser estigmatizado, mas enquanto isso lhe trazia alegria, sendo um sinal do favor divino, foi-lhe motivo de muito embaraço e sofrimento físico. Sempre tentou ocultar os estigmas com faixas e seu hábito, e poucos irmãos os viram enquanto ele viveu. Mas eles lhe causavam muita dor e com isso dificultavam seus movimentos, além de sangrarem com frequência. Muitas vezes teve de ser carregado por não poder andar, ou teve de viajar sobre uma mula, o que não era permitido aos irmãos por ser um luxo. Também padeceu de outras enfermidades, ficou quase cego, e as suas dores de cabeça eram terríveis, mas apesar de receber ordem de procurar tratamento, os médicos nada puderam fazer para aliviá-lo. Passou algum tempo sob os cuidados de Clara, e ali deve ter composto, em 1225, seu Cântico ao irmão Sol, mas sua condição se deteriorava diariamente, e ditou seu Testamento. Melhorou então, e viajou para um eremitério perto de Cortona, mas ali piorou novamente, e foi levado para Assis, hospedando-se na casa do bispo em meados de 1226. Pouco depois, pediu para ser levado à Porciúncula, para que pudesse morrer entre os irmãos.[20]
Sentindo a morte próxima, solicitou a uma amiga romana, a nobre Jacopa de' Settesoli, que trouxesse o necessário para seu sepultamento, e também alguma comida bem preparada, que ele havia provado em sua residência em Roma e que deveria aliviar seu sofrimento. Foi despedir-se de Clara e das irmãs em São Damião e voltou à Porciúncula, deu instruções para ser sepultado nu, e no por do sol de 3 de outubro de 1226, depois de ler algumas passagens do Evangelho, faleceu rodeado de seus companheiros, nobres amigos e outras personalidades. As fontes antigas dizem que nesse momento um bando de aves veio pousar no telhado e cantou.[22] Logo em seguida o Irmão Elias notificou a todos de seu desaparecimento e divulgou sua estigmatização, até ali mantida em sigilo, seu corpo foi examinado por muitas testemunhas a fim de comprová-lo, e o povo de Assis e dos arredores acorreu para prestar-lhe sua última homenagem.[23]
Foi enterrado no dia seguinte na igreja de São Jorge. Menos de dois anos depois, o papa Gregório IX foi pessoalmente para Assis para canonizá-lo, o que aconteceu em 6 de julho de 1228 com grande pompa. Em 1230 foi inaugurada uma nova basílica em Assis, que recebeu seu nome e hoje guarda as suas relíquias e abriga o seu túmulo definitivo. A basílica foi decorada no fim do século XIII por Giotto di Bondone com uma grande série de afrescos que retratam a vida do santo.[22][editar] As fontes documentais primitivas e a historiografia moderna
Francisco deixou escritos, que apesar de poucos e sucintos são uma fonte de grande importância para o conhecimento de suas ideias e objetivos, mas ele não escreveu sua própria história e foi sempre muito avesso a relatar sua vida privada, tarefa que ficou para seus biógrafos. Diversos daqueles documentos são de autoria controvertida, e são-lhe atribuídos mais pela tradição do que por qualquer outro motivo, não havendo provas que os autentiquem. É o caso da famosa Epistola ad populorum rectores (Carta aos governantes dos povos) e o da Epistola ad fratrem Antonium (Carta ao Irmão Antônio de Pádua). O seu conteúdo, no contexto do pensamento franciscano mais reconhecido, é pouco congruente. A primeira é uma admonição apocalíptica, mas se a preparação para o Juízo Final era uma preocupação para Francisco, não há evidência de que ele o considerasse um evento iminente, como o texto da carta sugere. Quanto à segunda, a aprovação que faz do estudo teológico erudito não parece concordar com a marcada inclinação de Francisco para a simplicidade. Seja como for, sua autenticidade é um problema ainda em aberto. A Regula (Regra primitiva) da Ordem, que escreveu de próprio punho entre 1209 e 1210, teve seu original perdido, e a reconstituição que foi feita mais tarde é, assim, incerta, mas crê-se que trechos dela sobrevivam em pelo menos três fontes secundárias, o códice fragmentário da Catedral de Worcester, a Explicação da Regra escrita por Hugo de Digne entre 1245 e 1255, e a Vita secunda Sancti Francisci, de Tomás de Celano, além de ter sido a fonte básica para a elaboração da Regula non bullata (Regra não bulada) e da Regula bullata (Regra bulada). Também autógrafa é a Benedictio fratri Leoni data (Bênção ao irmão Leo), e que está preservada na Basílica de Assis. Seu Testamentum (Testamento) deve ser autêntico, ainda que ditado a outrem, e nele ele faz uma apologia do trabalho cotidiano e manual, expressando o desejo de que todos os Irmãos trabalhassem como ele de forma honesta. Também parece estar fora de dúvida sua autoria do Cantico di frate Sole (Cântico do irmão Sol), que é uma bela demonstração de sua veia mística e também de seu talento poético, mas outros poemas que ele, segundo a tradição, escreveu em italiano, latim e francês, foram perdidos.[24][25][26] Suas Admoestações, uma coleção de 28 textos curtos, podem ter sido escritas a partir de suas próprias palavras, mas o texto em si muito provavelmente não é de sua lavra. O fragmento Audite, poverelle (Ouvi, pobrezinhas), escrito para as Clarissas, descoberto em 1976 em dois manuscritos do século XIV, parece ser autêntico, do mesmo modo que a Forma vivendi Sanctae Clarae data (Forma de vida para Santa Clara) e a Ultima voluntas Sanctae Clarae scripta (Última vontade para Santa Clara), que sobreviveram em cópias de Santa Clara inclusas em sua própria Regra. Também sobrevivem um punhado de cartas a destinatários diversos, orações e fragmentos vários, e embora sua autenticidade seja debatida e se encontrem registrados apenas em manuscritos posteriores, muitos desses textos são considerados originais.[25] A vastamente popular Oração de São Francisco, a que inicia com as palavras Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz..., não é de sua autoria, tendo sido escrita em 1913 e publicada em um magazine francês anonimamente.[27]
Carta autógrafa de S. Francisco para o Irmão Leo
Giotto: A verificação dos estigmas de São Francisco após sua morte, 1297-1299. Basílica de São Francisco de Assis, Assis.
No final do século XIX, já dispondo de uma metodologia e de uma visão historiográfica mais científica e consistente, os estudiosos começaram um trabalho de revisão do material antigo disponível. O primeiro estudo nesses moldes foi publicado em 1894 pelo protestante Paul Sabatier, em sua Vida de São Francisco de Assis, e desde então eles se multiplicaram de forma abundante. No início do século XX toda a literatura biográfica e folclórica escrita em torno de Francisco nos séculos XIII e XIV que foi recuperada, foi compilada por eruditos franciscanos no Analecta Franciscana, de mais de 800 páginas, mas para os estudiosos modernos essas fontes primitivas, apesar de essenciais e incontornáveis, apresentam diversos problemas que as impedem de ser consideradas inteiramente fidedignas, principalmente pela incerteza sobre a datação da maioria delas, por suas contradições e imprecisões, por adornarem as passagens da sua vida com uma profusão de lendas maravilhosas cuja comprovação se faz muito difícil, e por muito frequentemente o retratarem apenas como um herói da fé, com escassa menção aos problemas que a Ordem enfrentava em sua morte e aos seus conflitos com a Igreja estabelecida, e colorindo seu caráter com apreciações carregadas de emocionalismo. Embora se acredite que não haja motivos importantes para se duvidar da pureza das intenções e da vida de Francisco, nem de sua importância para a história da religião Católica e para a devoção moderna, toda a substância dos relatos parece ser pouco objetiva.[28]
A célebre Legenda maior Sancti Francisci (História de São Francisco, 1263), de São Boaventura, que sobreviveu em inúmeras cópias, não parece ser de muita utilidade. Apesar de ele a ter elaborado a partir de fontes de primeira mão, sua preocupação com a harmonização da comunidade franciscana e a ausência naquela época de métodos de referência científica fazem dela um relato excessivamente poético e fantasioso, quando não claramente parcial, da vida de Francisco, e se ela tem um lugar garantido na tradição piedosa e devocional, no estudo histórico acadêmico não sucede da mesma forma, e os peritos apontam nela uma série de contradições, a evidência de uma compilação seletiva de suas fontes e de um propósito de com ela criar uma imagem unificada e positiva da Ordem segundo a visão original de Francisco numa época em que ela estava já agitada por dissidências internas e enriquecia a olhos vistos. Entretanto, essa Legenda se tornou canônica, já que em 1266 o Capítulo Geral da Ordem se reuniu e decidiu que os irmãos não deveriam ler nenhuma outra biografia que não essa, e determinou a destruição de todas as outras que se haviam escrito até então, o que causou a perda de muita documentação importante. No século XIV Bartolomeu de Pisa escreveu um novo relato biográfico, aprovado pelo Capítulo Geral em 1399 como sendo o mais veraz, mas esta obra é considerada pela crítica moderna literariamente medíocre e de pouco valor documental. Afortunadamente a partir do século XVII foram sendo encontradas cópias de outros documentos dados como perdidos, suprindo em parte a imensa lacuna deixada pela supressão de fontes antigas em 1266.[29]
Entre as fontes recuperadas está a Vita prima Sancti Francisci (Primeira biografia de São Francisco, 1228), de Celano, escrita a pedido do papa Gregório IX, e que foi resumida pelo autor em 1230 sob o nome de Legenda ad usum chori, mas apesar de ser uma obra de refinado estilo, ela padece também de parcialidade. Celano novamente foi chamado em 1244 para escrever uma versão ampliada da Vita prima, dando outras informações trazidas por frades que haviam conhecido bem a Francisco e integravam seu primeiro círculo de associados, como Rufino, Leo e Angelo, o que resultou na Vita secunda Sancti Francisci (1245). Esta nova versão foi concebida numa linha rigorista, sem enfatizar os milagres do santo e tentando oferecer uma visão de sua trajetória mais de acordo com a que ele mantivera em vida, de certa forma atendendo melhor ao critério de verdade histórica apreciado contemporaneamente. Mas a obra não teve especial aceitação na sua época, pois era grande o desejo de todos por narrações fantásticas e maravilhosas, de modo que mais uma vez Celano foi convocado ao trabalho, desta vez para escrever o Tractatus de Miraculis Sancti Francisci (Tratado sobre os Milagres de São Francisco), de 1253.[25][29][30]
Outras fontes importantes resgatadas foram a Legenda trium sociorum (História dos três companheiros, 1246), anônima, uma compilação de material heterogêneo; o Actus beati Francisci et sociorum ejus (Atos do beato Francisco e seus companheiros, c. 1331-1337), de Ugolino de Montegiorgio, podendo incluir material original do Irmão Leo; o breve épico Sacrum commercium beati Francisci cum domina Pauperate (A sacra aliança entre São Francisco e a Senhora Pobreza, c. 1260 - 1270?), que deriva de um tema caro a Francisco; a coleção informal de episódios da vida de Francisco conhecida como I Fioretti di San Francesco (Florilégio de São Francisco, c. 1340), uma reelaboração livre do Actus que se tornou muito popular; o Speculum perfectionis (Espelho de perfeição, 1318, duas versões), o mais copiado depois da Legenda maior; a Compilação de Assis (1310-1312, com sua variante a Legenda perusina), e por fim a Legenda antiqua (História antiga), quase certamente de autoria do Irmão Leo. Existem ainda algumas outras fontes primitivas, mas em sua maioria são derivações dessas já citadas.[29]
O legado de suas ideias e de seu exemplo de vida
Giotto: Expulsão dos demônios de Arezzo, 1297-1299. Basílica de São Francisco de Assis, Assis.
A fama de santidade que granjeou em vida e perdura até os dias de hoje não decorreu de grandes manifestações de erudição religiosa, que jamais fez questão de possuir, e tampouco de seus milagres, que não obstante foram muitos e impressionantes, mas do seu exemplo de uma vida de completa dedicação ao próximo, dedicação que era animada por uma compreensão profunda, uma sinceridade espontânea, uma simplicidade autêntica em todas as coisas, qualidades banhadas de uma calorosa fraternidade, simpatia e caridade. Todos os seus primeiros biógrafos ressaltam esses aspectos de seu caráter, e por esses motivos sua figura é também admirada por muitos fora da esfera do Catolicismo.[24] Na visão de seus contemporâneos ele era o mais perfeito seguidor de Jesus Cristo, e sua presença em qualquer cidade era sempre um acontecimento, enquanto que seus irmãos eram tidos na mais alta estima por muitos prelados importantes e autoridades civis. Para Jacques de Vitry, bispo de Acre, sua aparição foi o consolo de um século corrupto,[31] e na bula Mira circa nos de sua canonização foi descrito como aquele que entrou no céu "precedendo muitos dotados de ciência, ele que deliberadamente era sem ciência e sabiamente ignorante".[32]
A despeito das críticas a que ele é ocasionalmente submetido, que o acusam de obscurecer a figura do próprio Jesus,[33] e das dúvidas que às vezes surgem sobre sua sanidade mental em vista de seu caráter emocional arrebatado, suas oscilações entre extremos de intensa euforia quando falava de Deus e de profunda tristeza quando observava suas supostas fraquezas, sua imaginação exuberante e pelas constantes visões e revelações que alegava ter,[34] para Kenneth Wolf sua enorme importância histórica e espiritual se confirma na abundante literatura devocional e erudita que é continuamente produzida sobre ele nos tempos recentes, e assinala que mesmo os acadêmicos laicos, por mais distanciados que procurem se manter de uma análise emocional e adulatória de sua vida e obras, acabam com frequência por reconduzí-lo ao pedestal de onde o baixaram para seus estudos científicos.[33]
Este retrato, de autor anônimo, é considerado, sem certeza, uma cópia do século XIV do único retrato que teria sido feito ainda em vida do santo, por encomenda de Jacopa de' Settesoli. Está conservado em Greccio.
Sua aparência
Segundo a descrição deixada por Tomás de Celano a aparência física de Francisco era extremamente agradável, e sua face refletia a inocência de sua vida, a pureza de seu coração e o ardor do fogo divino que o consumia. Era de estatura um pouco abaixo da média, cabeça proporcionada e redonda, com a face alongada e nariz reto e fino, pescoço esguio, testa plana e curta, olhos negros e límpidos, cabelos castanhos, orelhas pequenas. Sua voz era forte, doce, clara e sonora; os dentes eram unidos, alinhados e brancos, os lábios pequenos e delgados, a barba era preta e um tanto rala; seus ombros eram direitos, os braços curtos, as mãos delicadas com dedos longos, as pernas delgadas, pés pequenos, pele fina e sempre muito magro.[35] Sua visão de si mesmo era, porém, oposta: descrevia-se como um "franguinho preto", e o retrato pintado no Fioretti segue a mesma linha, mostrando-o como um homem miúdo de aspecto muito desprezível e vil e que por esse motivo nunca conseguia muitas esmolas entre gentes que não o conheciam.[36]
Seu contexto
Um século antes de Francisco nascer a espiritualidade europeia estava principalmente concentrada nos mosteiros enclausurados, desenvolvendo-se de uma forma introvertida e contemplativa que tinha muito de pessimismo em relação ao mundo e ao ser humano. Eram também os maiores centros de cultura erudita, em suas bibliotecas e através de suas oficinas de copistas se preservou boa parte do que hoje se conhece de literatura clássica, e seus membros muitas vezes alcançaram níveis altos e refinados de pensamento abstrato e teológico, com grande penetração psicológica. Os monges eram pessoalmente pobres mas nada lhes faltava de sustento material, pois suas Ordens eram muitos ricas, recebendo doações da nobreza e do povo, possuindo grandes extensões de terra e muitos tesouros em suas igrejas. De qualquer modo, na percepção daquela época uma vida de monge era o caminho mais garantido, na verdade praticamente o único, para a conquista do Paraíso, e era comum que leigos, depois de terem vivido a maior parte de suas vidas no desfrute do mundo, ao sentirem a morte se aproximar deixassem suas famílias para ingressar em um mosteiro, num processo que veio a ser chamado de "piedade fugitiva", esperando que a conversão, mesmo de última hora, fosse suficiente para alcançar a recompensa eterna. Acompanhando esse modo de pensar, era uma crença corrente de que o céu tinha uma população reduzida, e que ela era composta na maior parte de monges.[37][38]
No decorrer do século XII começou a se verificar uma mudança, a sociedade passou a demonstrar um crescente otimismo quanto às coisas espirituais, e parecia mais fácil à gente comum partilhar do Paraíso com os monges. Essa mudança se explica através de dois fatores principais - a concepção de Deus se tornou mais amorosa e benévola, e os doutores das faculdades de teologia, especialmente os proto-humanistas de Paris, elaboraram e divulgaram o conceito do Purgatório, que previa para após a morte uma estadia temporária num plano intermédio entre terra e céu onde as almas seriam purificadas de seus pecados veniais, possibilitando seu acesso à beatitude algum tempo depois. No encerramento do século Hugo de Avalon veio reforçar esse otimismo dizendo que o céu não era um destino exclusivo para os monges e autoridades da Igreja, e que no Juízo Final todos seriam julgados de acordo com sua observância dos princípios do Cristianismo, e não do monasticismo. Francisco nasceu nesse momento de abertura, e embora mantivesse em parte o modelo da ascese em renúncia pessoal do mundo, buscou a santificação de toda a família humana em comunhão e em íntimo contato com seus semelhantes numa pregação itinerante dentro dos centros urbanos, sem estar vinculado a nenhum núcleo religioso fixo no espaço e sem submeter-se à clausura nem às armadilhas da erudição.[37] Num período em que o modelo feudal entravam em declínio e emergia a burguesia mercantil como grande força econômica, tentou ensinar aos novos poderosos a responsabilidade social e os perigos que trazia sua riqueza, e aos miseráveis as virtudes e possibilidades espirituais ocultas em sua condição desfavorecida e seu valor inalienável como filhos de Deus, mostrando a todos que a religião podia ser fonte de alegria e não causa de opressão, e apresentando novas alternativas de expressão para uma espiritualidade que estava num processo de transição, o qual se não fosse iluminado por seu exemplo de fraternidade e obediência estrita às instituições religiosas estabelecidas poderia resultar num beco sem saída ou na revolta cismática.[39][40] Como observou Susan McMichaels, deve-se entender a renovação franciscana da vida religiosa de seu tempo dentro de parâmetros limitados, já que a Igreja Católica, mesmo nessa fase de mudança, ainda era a principal força social da Europa, tinha autoridade sobre reis e imperadores, e qualquer movimento excessivamente heterodoxo facilmente era condenado como heresia e seus membros, nesse caso, ficavam sujeitos a um destino de perseguição e morte.[41]
Wenzel Hollar: São Francisco em retiro, século XVII. Universidade de Toronto.
Sassetta: Casamento de São Francisco com a Senhora Pobreza, 1437-44. Museu Condé. (As duas outras figuras femininas representam a Obediência e a Castidade).
Por fim, ao estudar a biografia de um santo, a pesquisa moderna se depara constantemente com o problema de como encarar seus milagres e outros prodígios que se lhe atribuem. Roger Sorrell lembra que os relatos que envolvem o controle taumatúrgico das forças naturais e dos seres irracionais são frequentemente descartados hoje como fruto de alucinação, fantasia ou superstição, mas essa postura impede uma apreciação correta do ethos ascético e místico, e é irrelevante para o contexto histórico. Esse ethos envolvia a crença de que o mundo poderia ter sua harmonia restaurada através de uma vida de acordo com o mandamento divino. O antigo asceta Santo Antônio do Deserto dizia que a Criação era um livro onde podia ler as palavras de Deus, e essa opinião era comum entre vários outros místicos. Nesse sentido, se o asceta estava em harmonia com Deus, se tornava possível um diálogo efetivo e inteligível com todo o mundo criado, e a natureza aparentemente hostil e muda para o homem comum se tornava amistosa e responsiva para o místico em comunhão divina. A psicologia moderna também diz coisa semelhante quando afirma que a reação de uma pessoa ao seu ambiente reflete seu estado psíquico interior. Francisco de Assis se insere nessa longa linhagem de santos ascetas, taumaturgos e místicos; certamente estava familiarizado com as histórias dos santos antigos, a própria Assis dera nascimento a vários santos e mártires antes dele, e, leitor assíduo da Bíblia, em especial do Novo Testamento, devia também conhecer passagens que referem à integração entre as criaturas e o Criador, como em Romanos I:20: "Porque as coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas...", ou em Timóteo IV:4-5: "Porque toda a criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebida com ações de graças. Porque pela palavra de Deus e pela oração é santificada". Para o seu tempo o milagroso era parte integrante da verdade corrente. Por outro lado, muitos dos fenômenos maravilhosos encontrados nas narrativas sobre a sua vida, se não eram explicáveis naquele tempo, poderiam sê-lo hoje, com a ressalva de que mesmo a ciência e a psicologia, por avançadas que estejam atualmente, ainda não são capazes de explicar todos os fenômenos naturais do mundo ou os da mente, e o problema permanece, pois, irresolvido.[42]
] As virtudes, a disciplina e o relacionamento entre os irmãos
Para Francisco a pobreza, a "Senhora Pobreza" que ele costumava dizer ter desposado, não era um objetivo, mas antes um instrumento pelo qual se podia obter a purificação necessária para a habitação de Deus no interior de cada um e para a perfeita comunhão com o semelhante, metas frente às quais todas as outras considerações eram subordinadas. O outro instrumento privilegiado para isso era a imitação do exemplo de vida dado por Cristo nos Evangelhos, e para tanto a obediência era fundamental. Cristo fora pobre, e assim os irmãos também o seriam, e ela devia ser entendida por todos os seus companheiros não só como uma disciplina de ascetismo em si, mas como fonte de verdadeira graça e alegria.[43]
Mas além da pobreza exterior, comandada expressamente na sua Regra primitiva, que proibia os monges até de andarem calçados e possuírem domicílio fixo, Francisco enfatizava a pobreza interior, entendida no despojamento de toda pretensão a aquisições intelectuais e mesmo morais e espirituais, consideradas como formas dissimuladas de obter domínio sobre os outros e como expressões de orgulho e individualismo.[44] Por outro lado, Wolf aponta para alguns paradoxos em suas posições sobre a pobreza, e para ele parece claro que Francisco assumiu a pobreza neste mundo para ser investido de riquezas no céu. Além disso, o autor sugere que seu exemplo pouco fez para mudar a mentalidade de seus contemporâneos sobre a pobreza da população em geral ou para chamar a atenção para as vantagens da pobreza como um modo de vida, e ele parece ter-se tornado involuntariamente o destinatário da maior parte das esmolas e doações na Úmbria, cujos doadores estavam possivelmente mais interessados nos ganhos secundários que deviam advir do apoio a um grande e famoso santo, deixando os outros pobres, que não haviam escolhido voluntariamente sua própria pobreza, ainda entregues à própria sorte.[33] Entretanto, Voegelin considera que foi uma escolha sábia ele ter buscado imitar antes a pobreza e os sofrimentos de Cristo, ou seja, o seu lado eminentemente humano, uma vez que a tentativa de imitá-lo em sua glória teria sido impossível. Fez, desse modo, o que estava dentro do alcance de um homem fazer diante de um modelo ideal que em sua natureza mais íntima era excessivamente transcendental para ser transposto para o mundo da vida objetiva.[45]
Dentro das suas práticas de austeridade era dada atenção especial ao corpo humano, a quem ele chamou de "Irmão Burrico", pois ao mesmo tempo em que ele era um inimigo e uma grande fonte de pecado, também era um instrumento para a salvação por ser o único veículo através do qual se podia levar a cabo todo o trabalho, e era ainda o campo de batalha onde se efetuava a luta espiritual, e por isso devia ser constantemente mantido sob estrita vigilância e disciplina férrea. Por outro lado, assim como Cristo suportara benignamente as grandes dores de sua Paixão, todas as aflições e doenças corporais deviam ser aceitas com paciência e alegria e encaradas como formas de purificação, o que incluía a resistência às urgências sexuais, preservando-se completa castidade, e aos apelos da gula e do desejo por confortos físicos. Mas também o corpo era visto como uma maravilha, uma das formas de expressão da bondade e da beleza de Deus, já que segundo as Escrituras o homem fora feito à imagem e semelhança da divindade, e seu corpo, depois de purificado, havia de ser o templo vivo do Deus vivo.[26]
Niccolò Antonio Colantonio: São Francisco dando a Regra para as suas Ordens, c. 1440-1470. Museu de Capodimonte.
Como administrador da Ordem era benevolente, exuberante e caloroso no trato, almejava uma observância voluntária da Regra e quando necessário exigia a obediência, mas com doçura, persuasão e humor; era brando no apontar as faltas de seus companheiros e perspicaz ao encontrar sempre o corretivo mais proveitoso, estimulava a independência, a sinceridade e a criatividade dos irmãos, fomentava a harmonia entre todos e contraindicava grandes exercícios de ascese; era rigoroso sobretudo consigo mesmo, imaginando sempre novas formas de autonegação, impondo-se inúmeras mortificações e penitências por deslizes mínimos, e acusando-se repetidamente de fraqueza e indignidade e uma multidão de vícios que só ele percebia em si.[38][46]
Dos leigos, que não haviam feito votos sagrados, não esperava tanta disciplina, e Francisco em vez de denunciar e condenar seus hábitos, como faziam outras Ordens, buscava que as atividades do mundo não fossem suprimidas, antes, que fossem realizadas num espírito de reverência para com o Criador de todas as coisas, o que se estendia para a atividade sexual, mas a ser realizada preferencialmente dentro do estado conjugal.[47] Apesar de prescrever aos irmãos que mantivessem distância das mulheres, não parece ter nutrido preconceitos contra elas; a separação de sexos nas Ordens religiosas era uma praxe, assim como o celibato, dessa forma a distância era uma medida de precaução contra as tentações da carne; além disso foi um grande devoto da Virgem Maria, parece ter mantido uma relação afetiva especial para com Santa Clara, vendo nela ainda uma liderança natural e uma continuadora de sua obra, e em seus escritos, bem como nos dos seus biógrafos, abundam referências a ele e aos irmãos como mães uns dos outros, como esposas de Jesus e como gestantes do espírito de Deus, numa simbologia reversa que era comum no seu tempo e não causava surpresa.[48][49]
Entre os irmãos era proibida toda observação de hierarquia salvo para com os superiores indicados regularmente e para com o papa, mas eram obrigados a servir uns aos outros à primeira necessidade e sem questionamento, incluindo o dever de lavarem os pés uns dos outros como forma de praticar a humildade. Não deviam expressar críticas ou emitir julgamentos nem entre si nem dirigí-los para as outras pessoas, nem combater os heréticos, não podiam se envolver em querelas, nem devolver insultos ou agressões físicas. Ao contrário, deviam "ser meigos, pacíficos e despretensiosos, gentis e humildes, falando com todos educadamente". Francisco foi o primeiro na história do Cristianismo a chamar sua comunidade de fraternidade.[44][50]
Depois de sua conversão alimentou sempre desconfiança contra os estudos eruditos, ele próprio recebeu em sua juventude uma educação medíocre e jamais foi ordenado sacerdote, não podendo celebrar a missa, permanecendo apenas como diácono por outorga especial de Inocêncio III, e alertou seus companheiros várias vezes para não se basearem em preceitos derivados de interpretações individuais de textos sagrados, mesmo aquelas emanadas do alto clero e dos doutores sacros. Considerava o texto da Bíblia impecável e inalterável, pois, de acordo com a tradição de sua época, fora ditado diretamente por Deus e não carecia assim que fosse corrigido ou parafraseado, e da mesma forma envidou esforços para que seus próprios escritos não fossem reinterpretados ou adulterados por terceiros - não obstante seus cuidados, sua Regra primitiva foi reformada várias vezes contra a sua vontade e seu Testamento, que havia sido dado como um complemento à Regra para ser lido sempre que a Regra o fosse, foi desautorizado pelo papa poucos anos depois de sua morte.[15][51]
Dessa forma, sem estudos profundos, atendo-se literalmente à palavra escrita na Bíblia e observando à risca o ritual elaborado pela Igreja constituída, sua religiosidade, segundo Raoul Manselli, se colocava absolutamente numa dimensão originária do nível popular, como se podia esperar do povo comum de seu tempo e no seu caso de um filho de mercador, ainda que ela tenha sido extraordinariamente enriquecida com sua própria e intensa experiência do fenômeno religioso e com sua intuição pessoal - ou com o auxílio das revelações que recebia - para dar-lhe sentido prático, e foi essa sua contribuição adicional a uma tradição já estabelecida que deu originalidade para o movimento que ele iniciou.[52]
Sua insistência na pobreza total - não só individualmente, mas para a Ordem também - na simplicidade em tudo e no rigor da disciplina foi o maior foco de discórdia na consolidação interna de seu grupo, e foi vista pela comunidade laica de sua região como um elemento de subversão social; ainda em sua vida ela foi posta em xeque por seus irmãos e com ainda mais força pela alta hierarquia católica, que sentiu-se ameaçada na perspectiva de que a extrema pobreza franciscana fosse tomada como um sinal de pureza maior do que a da própria Igreja, e que isso fosse usado por aqueles que combatiam a corrupção do clero em detrimento da instituição.[50][51][53] A exigência acabou por ser em muito atenuada, contra a sua vontade expressa, e menos de um século depois de seu falecimento a Ordem dos Franciscanos já era tão rica quanto as outras Ordens e muitos de seus membros haviam se tornado grandes doutores eruditos e ocupantes de importantes cargos na Igreja e nas universidades, com o resultado da perda de grande parte de seu carisma original e o surgimento de sentimentos de desilusão e cinismo em larga escala. Segundo a opinião de Kleinberg & Todd, a "domesticação" dos franciscanos e sua inserção definitiva no esquema monástico-clerical padrão foi um dos fatores que levaram a uma radical queda do prestígio da Igreja na Idade Média tardia,[51] mas seu exemplo de fraternidade e de engajamento autêntico com a vida dos pobres tem presentemente um grande valor inspiracional para os teólogos da libertação em suas lutas políticas no Terceiro Mundo.[54]
Benozzo Gozzoli: Pregação de São Francisco aos animais e aos homens, 1452. Convento de São Fortunato, Montefalco.
Pregador e pacificador
Os testemunhos de época relatam que seu estilo de pregação era direto e simples, usando o vernáculo, longe da eloquência sacra de seu tempo, mas afirmam que sua sinceridade e compreensão das dificuldades da vida popular, sua habilidade em evocar imagens ilustrativas vivazes em pequenas parábolas ou histórias retiradas de suas experiências do cotidiano entre o povo, e sua capacidade de apresentar a doutrina cristã de forma inteligível, faziam que seu discurso tivesse um efeito persuasivo profundo. Também fazia uso do humor e de uma atuação que tinha muito de teatral, a fim de que a mensagem se fizesse mais acessível e atraente,[51][55][56] e usualmente solicitava permissão da autoridade religiosa local para iniciar sua fala ao povo. Às vezes acompanhava a pregação com o canto de hinos sacros, alguns compostos em letra e música por ele mesmo, e chamava a si e seus irmãos de "os menestréis de Deus".[57]
Sua paciência e bondade para com todos fizeram com que fosse procurado constantemente por pessoas de todas as posições sociais que iam a ele em busca de conselho e orientação, e a todos instruía na melhor forma de alcançar a salvação na condição em que se encontravam, regozijando-se em ver que suas palavras amiúde davam frutos positivos e que os costumes se iam reformando gradualmente. No florido estilo de sua Vita prima Celano afirma que em virtude de sua presença e atuação em pouco tempo toda a Úmbria se havia transformado, e se tornara um lugar mais aprazível.[37] Francisco desejava acima de tudo que os irmãos pregassem através do exemplo pessoal, conseguido na imitação do exemplo de Cristo, e o modelo monástico que ele implementou representa uma transição entre o monasticismo medieval enclausurado e as novas formas de vida apostólica que mais tarde se consolidaram, mais abertas para o mundo exterior e mais dedicadas ao serviço prático para com os necessitados, e fez essa reforma sem jamais ter pretendido ser um reformador. Outra de suas contribuições foi a de enfatizar a paz, a tolerância, o respeito e a concórdia, e ele sempre teve a convicção de que os irmãos deviam ser pacificadores, o que deixou expresso em vários escritos e foi repetido por seus biógrafos. Mesmo nas missões que enviou para entre os muçulmanos fez recomendações para que os missionários mantivessem uma postura de respeito para com as manifestações da divindade em todos os credos e de sujeição às leis civis locais, e que evitassem se envolver em disputas teológicas. Ele pessoalmente conseguiu a paz em vários conflitos internos nas cidades italianas de Arezzo, Peruggia, Siena, Gubbio e Bolonha, e pouco antes de morrer, já gravemente enfermo, fez a paz entre o bispo e o poder civil em Assis, o que não deixa de ter conotações simbólicas, apontando para seu perene desejo de reconciliação entre a religião e o mundo profano.[58]
Como Cristo recomendara a seus apóstolos que em cada casa em que entrassem dissessem "Que a paz do Senhor esteja nesta casa", usualmente Francisco costumava iniciar e terminar suas prédicas com a proclamação da paz.[59][60] A seus próprios seguidores, Francisco dissera: "Assim como anunciais a paz pela boca, estejais certos de que a paz esteja em vossos corações". A saudação Pax et bonum (Paz e bem), que usava frequentemente, se tornou mais tarde o lema da sua Ordem[61][62] e também da cidade de Assis.[63] Em 2002 o papa João Paulo II presidiu uma cerimônia em Assis que reuniu duzentos líderes de vinte e quatro religiões para que fosse celebrado um Dia Internacional de Preces para a Paz no Mundo. Foi elaborado o documento O Decálogo da Paz de Assis e enviado para todos os Chefes de Estado do mundo, e no encerramento da cerimônia todos trocaram o beijo da paz enquanto era cantado o Cântico ao irmão Sol.[64]
O místico
: Misticismo
Segundo Bernard McGinn o elemento místico no Cristianismo é aquela parte da crença e das práticas que preparam e conscientizam o indivíduo para aquilo que pode ser descrito como a presença imediata e direta de Deus, mas para Paul Lachance o misticismo pessoal de Francisco, parte tão proeminente de sua vida, até há pouco tempo vinha sendo estudado quase apenas a partir das biografias escritas sobre ele e das numerosas lendas criadas a seu respeito, com pouca atenção ao que ele mesmo expressara em seus escritos ou fora registrado a partir de suas próprias palavras - até onde é possível considerar a documentação a ele atribuída como autêntica. Mesmo na tradição cristã que o considera, obviamente, um santo, poucas vezes ele é descrito como um místico, e esse silêncio também se deve ao fato de que o estudo de sua experiência interior é extremamente difícil, pois ele poucas vezes falou diretamente no assunto e seus escritos dão apenas indicações indiretas. Nisso ele seguiu na contramão da tendência de seu tempo entre as outras Ordens religiosas, cuja literatura é muito mais abundante e explícita a esse respeito, e seu modo de ser estava muito mais relacionado com o dos cristãos primitivos, dos primeiros padres do deserto e dos patriarcas do oriente, para quem as revelações autobiográficas eram coisa estranha. Um dos documentos que dão uma primeira ideia sobre sua visão sobre a divindade é a própria Regra Primitiva, o seu primeiro credo expresso em sua pureza, a qual, embora perdido seu original, crê-se que sobreviva em fragmentos dispersos entre vários manuscritos. Nesses trechos Deus é mostrado como criador, redentor e salvador, fonte de todo o bem, e essência e objetivo último de todo o ser, sendo "uno, sem início e sem fim, imutável, invisível, indescritível, inefável, incompreensível, insondável, bendito, digno de louvor, glorioso, exaltado nas alturas, sublime, altíssimo, gentil, amável, deleitável e totalmente desejável acima de tudo para sempre". Sua atitude diante desse Deus "onipotente, santíssimo, altíssimo e supremo" era de completa sujeição e entrega, movidas por um desejo intenso de "amar, honrar, adorar, servir, louvar e bendizer, glorificar e exaltar, magnificar e agradecer", e essas cadeias de adjetivos entusiásticos são comuns em todos os seus escritos, e evidenciam que para Francisco Deus era essencialmente inapreensível e maravilhoso sob todos os aspectos, e não deixa de ser tocante o esforço que ele fazia para pelo menos em parte tentar descrever o que não podia ser descrito e menos ainda transmitido a outrem através de palavras.[65][66]
Sassetta: Êxtase de São Francisco, 1437-44. Coleção particular, Florença.
Na Epistola ad Fideles (II) (Segunda carta aos fiéis) ele enalteceu o sacramento da Eucaristia, pelo qual tinha uma especial veneração em virtude de a hóstia consagrada ser, segundo o dogma católico, o próprio corpo de Cristo transubstanciado, dado aos homens como uma lembrança perpétua de si mesmo e como dádiva de seu amor, e enfatizou não tanto a simples imitação da vida e paixão de Cristo, mas sim a importância da habitação do Deus vivo no interior de cada um através da descrição dos benefícios recebidos por aquele que obtém esse prêmio:[67][68]
"O Espírito do Senhor descansará sobre eles e fará neles habitação e morada. E serão filhos do Pai celeste, cujas obras fazem. E são esposas, irmãos e mães de nosso Senhor Jesus Cristo. Somos esposas quando a alma fiel se une a Jesus Cristo através do Espírito Santo. Somos certamente irmãos, quando fazemos a vontade de seu Pai, que está no céu. Somos mães quando o carregamos em nossos corações e corpos através do amor e de uma consciência pura e sincera; damo-lo à luz através de sua santa maneira de operar, a qual deve brilhar diante dos outros como exemplo. Oh, quão glorioso, quão santo e portentoso é ter um Pai no céu! Oh! como é santo ter um esposo consolador, belo e admirável! Oh, quão santo e quão adorável, prazeroso, humilde, tranquilo, doce, amável e desejável acima de todas as coisas ter tal Irmão e Filho, que deu sua vida por suas ovelhas e orou ao Pai por nós dizendo: 'Pai santo, guarda em teu nome os que me deste' !"[69]
Mesmo dando essas descrições indiretas de suas experiências místicas, em nenhum de seus escritos ele as descreve objetivamente, e coube aos seus biógrafos fazerem extrapolações e descrições mais vívidas, cuja veracidade fica sempre sujeita ao imponderável da interpretação alheia. Entretanto, em vários pontos desses documentos posteriores parece sobreviver, discernível através da ornamentação literária, um reflexo autêntico de como apareceram para ele suas visões e êxtases, ou como suportou os frequentes ataques de seres demoníacos, tais como se narra nos Fioretti, do qual um fragmento já foi exposto antes e que descreve o abismo que ele via entre a magnificência de Deus e sua pessoa miserável. De qualquer forma, suas contemplações frequentemente revolviam em torno de trechos da Paixão que lia nos Evangelhos, e nesse sentido ele deu nascimento a uma nova forma de misticismo, o "misticismo Cristomimético" ou de imitação de Cristo, que Ewert Cousins chamou de "misticismo do evento histórico", que consiste na lembrança de um evento significativo do passado, na entrada em seu conteúdo dramático e na extração a partir dele de uma energia espiritual que eventualmente transporta o contemplador além do evento para a união com Deus. Sua própria estigmatização foi o corolário desse modo de meditar, e que depois dele foi muito explorada por outros místicos como São Boaventura e Santa Clara, e mais uma multidão de outros nos séculos seguintes.[26][67]
Por fim, o outro aspecto importante a ser analisado no seu misticismo é sua intensa e amorosa relação com a natureza, relação que o tornou modernamente em um patrono dos animais e do meio ambiente. Este aspecto é um dos que mais acusam a originalidade de sua concepção de mundo em relação ao contexto de seu tempo. Embora muitas características de seu misticismo não fossem novas, sendo encontradas nas vidas de vários espirituais anteriores, outras eram inéditas até ali - sua relação direta, pessoal e familiar com todos os elementos constituintes da Criação, sua ênfase no caráter beneficente e não neutro ou ambivalente de todas as coisas e seres do mundo natural, sua exortação literal, e não alegórica, a animais, plantas e objetos inanimados para que servissem e louvassem a Deus, sua proposta de que se criasse legislação para que o povo alimentasse as aves selvagens no inverno no mesmo espírito em que davam esmolas aos pobres, e a inclusão de animais na celebração da missa. Para Francisco toda a Criação estava intimamente interconectada, e para ele era fácil transitar de um nível espiritual para outro e apreciar os múltiplos significados que extraía de sua leitura do "livro da natureza".[70] Eric Voegelin pensa que foi por descobrir e aceitar os mais baixos estratos da Criação como partes do mundo dotadas de significado e dignidade inerentes que ele se tornou uma das figuras mais importantes da história ocidental.[45]
O hábito de São Francisco, preservado na Basílica de Assis
Essa forma de ver o mundo ficou expressa com clareza no seu Cântico ao irmão Sol, onde chamou os ventos, o sol, a lua, o fogo e outros elementos do mundo natural de irmãos e convidava a todos celebrarem juntos a maravilha do mundo e servirem com alegria o seu autor. Neste poema, que além de possuir altas qualidades estéticas marcou o nascimento da literatura vernacular italiana, ele deu um testemunho ao mesmo tempo de sua visão integrada da realidade e do amor que sentia por ela, o que transparece ainda em diversos relatos posteriores de seus biógrafos e nas inúmeras histórias onde os animais estão presentes como co-protagonistas, sempre tratados como irmãos e não raro doutrinados como se fossem pessoas, aproximando-se dele espontaneamente mesmo quando selvagens e dando sinais de compreenderem suas palavras ao obedecerem suas instruções, e nas que contam como andava reverente sobre as rochas ou admirava as flores cheio de júbilo, ou quando defendeu as árvores recomendando aos lenhadores que não cortassem seus troncos muito embaixo, a fim de que elas pudessem renascer.[71][72]
O Cântico também sintetiza o significado profundo e a função essencial da prece para Francisco, o de sempre glorificar a Deus e abençoar o mundo pela palavra e pelo trabalho. A natureza para ele era digna de apreço e admiração porque era uma expressão da divindade onipresente. Mas para Leonardo Boff essa admiração não foi a causa central que o levou a reordenar e purificar sua consciência, mas sim o resultado desse processo, e diz: "Quem quer que tente imitar romanticamente São Francisco em seu amor pela natureza sem passar pelo ascetismo, pela autonegação, pela penitência e pela cruz há de cair na mais profunda das ilusões".[73] Complementando essa ideia, numa leitura psicológica de sua vida, McMichaels vê sua experiência pessoal de um Deus imanente, numa época em que a divindade era concebida apenas como transcendente, como um auxílio para que o homem contemporâneo possa transformar positivamente sua própria concepção de mundo, uma concepção cada vez mais desafiada por novas descobertas acerca da natureza última da matéria, do tempo e do espaço, e do poder das forças do inconsciente, e a compara a um processo bem sucedido de individuação por ter se baseado num senso de responsabilidade pessoal e social, por ter compreendido e aceitado a necessidade da luta, da dor e do esforço pelo aperfeiçoamento, e por dar origem a um corpo de valores coletivos integradores.[74]
O cântico ao irmão Sol
Cântico das Criaturas
Altíssimo, onipotente e bom Senhor, a ti subam os louvores, a glória e a honra e todas as bênçãos!
A ti somente, Altíssimo, eles são devidos, e nenhum homem é sequer digno de dizer teu nome.
Louvado sejas, Senhor meu, junto com todas tuas criaturas, especialmente o senhor irmão sol, que é o dia e nos dá a luz em teu nome.
Pois ele é belo e radioso com grande esplendor, e é teu símbolo, Altíssimo.
Louvado sejas, Senhor meu, pela irmã lua e as estrelas, as quais formaste claras, preciosas e belas.
Louvado sejas, Senhor meu, pelo irmão vento, e pelo ar, pelas nuvens e o céu claro, e por todos os tempos, pelos quais dás às tuas criaturas sustento.
Louvado sejas, Senhor meu, pela irmã água, que é tão útil e humilde, e preciosa e casta.
Louvado sejas, Senhor meu, pelo irmão fogo, por cujo meio a noite alumias, ele que é formoso e alegre e robusto e forte.
Louvado sejas, Senhor meu, pela irmã, nossa mãe, a terra, que nos sustenta e nos governa, e dá tantos frutos e coloridas flores, e também as ervas.
Louvado sejas, Senhor meu, por aqueles que perdoam por amor a ti e suportam enfermidades e atribulações.
Benditos aqueles que sustentam a paz, pois serão por ti, Altíssimo, coroados.
Louvado sejas, Senhor meu, por nossa irmã, a morte corpórea, da qual nenhum homem vivo pode fugir.
Pobres dos que morrem em pecado mortal! e benditos quem a morte encontrar conformes à tua santíssima vontade, pois a segunda morte não lhes fará mal.
Louvai todos vós e bendizei o meu Senhor, e dai-lhe graças, e o servi com grande humildade![75]
Lista de escritos a ele atribuídos
Esta listagem é a que consta no portal da Província dos Capuchinhos de São Paulo, Brasil. Vários deles têm autenticidade controvertida, e alguns documentos cuja existência foi registrada em outras fontes mas cujo texto não sobreviveu não foram incluídos.[76]
Regras
• Regula (apenas fragmentos)
• Regula non bullata (Francisco e outros)
• Regula bullata (Francisco e outros) • Forma vivendi Sanctae Clarae data
• Ultima voluntas Sanctae Clarae scripta
• Testamentum
Admoestações
• De corpore Domini
• De malo propriae voluntatis
• De perfecta obedientia
• Ut nemo appropriet sibi praelationen
• Ut nemo superbiat, sed glorietur in cruce Domini
• De imitatione Domini
• Ut bona operatio sequatur scientiam
• De pecato invidiae vitando
• De dilectione • De castigatione corporis
• Ut nemo corrumpatur malo alterius
• De cognoscendo spiritu Domini
• De patientia
• De pauperate spiritus
• De pace
• De munditia cordis
• De servo dei humili
• De compassioni proximi
• De humili servo Dei • De bono et vano religioso
• De inani et loquaci religioso
• De correctione
• De humilitate
• De vera dilectione
• Item de eodem
• Ut servi Dei honorent clericos
• De virtute effugate vitiam
• De abscondendo bono ne perdatur
Cartas
• Epistola ad quendam ministrum
• Epistola ad fideles
• Epistola ad fideles (II)
• Epistola ad custodes • Epistola ad custodes (II)
• Epistola ad clericos (Recensio prior)
• Epistola ad clericos (Recensio Posterior)
• Epistola toti ordini missa • Epistola ad fratrem Leonem
• Epistola ad fratrem Antonium (Epistola ad Sanctum Antonium)
Orações e cânticos
• Oratio ante Crucifixum dicta
• Exhortatio ad laudem Dei
• Laudes ad omnes horas dicendae
• Incipiunt psalmi • Expositio in Pater Noster
• Benedictio Fratri Leoni data
• Laudes Dei Altissimi
• Salutatio Beatae Mariae Virginis • Salutatio Virtutum
• Canticum Fratris Solis vel Laudes Creaturarum
• Audite, poverelle
Fragmentos diversos
• Benedictio fratri Bernardo data
• Testamentum Senis factum • De vera et perfecta laetitia
• Super his autem
Cidadania
Cidadania é o conjunto de direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em que vive.
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente "ligado" à noção de direitos, especialmente os direitos políticos, que permitem ao indivíduo intervir na direção dos negócios públicos do Estado, participando de modo direto ou indireto na formação do governo e na sua administração, seja ao votar (direto), seja ao concorrer a um cargo público (indireto).[3] No entanto, dentro de uma democracia, a própria definição de Direito, pressupõe a contrapartida de deveres, uma vez que em uma coletividade os direitos de um indivíduo são garantidos a partir do cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade[4] Cidadania, direitos e deveres.
História
O conceito de cidadania tem origem na Grécia clássica, sendo usado então para designar os direitos relativos ao cidadão, ou seja, o indivíduo que vivia na cidade e ali participava ativamente dos negócios e das decisões políticas. Cidadania, pressupunha, portanto, todas as implicações decorrentes de uma vida em sociedade.[5]
Ao longo da história, o conceito de cidadania foi ampliado, passando a englobar um conjunto de valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos de um cidadão "Cidadania: direito de ter direito"
Nacionalidade
A nacionalidade é pressuposto da cidadania - ser nacional de um Estado é condição primordial para o exercício dos direitos políticos. Entretanto, se todo cidadão é nacional de um Estado, nem todo nacional é cidadão - os indivíduos que não estejam investidos de direitos políticos podem ser nacionais de um Estado sem serem cidadãos.
No Brasil
Os direitos políticos são regulados no Brasil pela Constituição Federal em seu artigo 14[6], que estabelece como princípio da participação na vida política nacional o sufrágio universal. Nos termos da norma constitucional, o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos, e facultativos para os analfabetos, os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos e os maiores de setenta anos.
A Constituição proíbe o alistamento eleitoral dos estrangeiros e dos brasileiros conscritos no serviço militar obrigatório, considera a nacionalidade brasileira como condição de elegibilidade e remete à legislação infra-constitucional a regulamentação de outros casos de inelegibilidade (lei complementar n. 64, de 18 de maio de 1990).
História e análise da cidadania no Brasil
O historiador José Murilo de Carvalho define cidadania como o exercício pleno dos direitos políticos, civis e sociais, uma liberdade completa que combina igualdade e participação numa sociedade ideal, talvez inatingível.[7] Carvalho entende que esta categoria de liberdade consciente é imperfeita numa sociedade igualmente imperfeita. Neste sentido, numa sociedade de bem-estar social, utópica, por assim dizer, a cidadania ideal é naturalizada pelo cotidiano das pessoas, como um bem ou um valor pessoal, individual e, portanto, intransferível.
Esta cidadania naturalizada é a liberdade dos modernos, como estabelece o artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948: "toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal."[8] A origem desta carta remonta das revoluções burguesas no final do século XVIII, sobretudo na França e nas colônias inglesas na América do Norte; o termo cidadão designa, nesta circunstância e contexto, o habitante da cidade "no cumprimento de seus simples deveres, em oposição a parasitas ou a pretensos parasitas sociais”.[9]
A etimologia da palavra cidadania vem do latim civitas, cidade, tal como cidadão (ciudadano ou vecino no espanhol, ciutadan em provençal, citoyen em francês). Neste sentido, a palavra-raiz, cidade, diz muito sobre o verbete. O habitante da cidade no cumprimento dos seus deveres é um sujeito da ação, em contraposição ao sujeito de contemplação, omisso e absorvido por si e para si mesmo, ou seja, não basta estar na cidade, mas agir na cidade. A cidadania, neste contexto, refere-se à qualidade de cidadão,[10] indivíduo de ação estabelecido na cidade moderna.[11] A rigor, cidadania não combina com individualismo e com omissões individuais frente aos problemas da cidade; a cidade e os problemas da cidade dizem respeito a todos os cidadãos.
No Brasil, nos léxicos da língua portuguesa que circularam no início do século XIX, observa-se bem a distinção entre os termos cidadão (em português arcaico, cidadam) e o fidalgo, prevalecendo o segundo para designar aquele indivíduo detentor dos privilégios da cidade na sociedade de corte.[12] Neste contexto, o fidalgo é o detentor dos deveres e obrigações na cidade portuguesa; o cidadão é uma maneira genérica de designar a origem e o trânsito dos vassalos do rei nas cidades do vasto império português. Com a reconfiguração do Estado a partir de 1822, vários conceitos políticos passaram por um processo de resignificação; cidadão e cidadania entram no vocabulário dos discursos políticos, assim como os termos Brasil, brasileiros, em oposição a brasílicos. Por exemplo: povo, povos, nação, história, opinião pública, América, americanos, entre outros.[13]
A partir disso, o termo cidadania pode ser compreendido racionalmente pelas lutas, conquistas e derrotas do cidadão brasileiro ao longo da história nacional, a começar da história republicana, na medida em que esta ideia moderna, a relação indivíduo-cidade --- ou indivíduo-Estado -- "expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo (...)”.[14] Em outros termos, fundamenta-se na concessão do Estado das garantias individuais de vida, liberdade e segurança. O significado moderno da palavra é, portanto, incompatível com o regime monárquico, escravista e centralizador, anterior à independência política do Brasil. No entanto, este o divisor (monarquia-república) não significa no Brasil uma nova ordem onde a cidadania tem um papel na construção de sociedade justa e igualitária. Este aspecto é bem pronunciado na cidadania brasileira: estas garantias individuais jamais foram concedidas, conquistadas e/ou exercidas plena e simultaneamente em circunstâncias democráticas, de estado de direito político ou de bem-estar social.
O longo caminho inferido por José Murilo de Carvalho refere-se a isto: uma cidadania no papel e outra cidadania cotidiana. É o caso da cidadania dos brasileiros negros: a recente Lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989[15] é um prolongamento da luta pela cidadania dos "homens de cor", cujo marco histórico formal é a Lei Áurea de 1888; ou seja, um século para garantir, através de uma lei, a cidadania civil de metade da população brasileira, se os números do ultimo censo demográfico estão corretos;[16] portanto, há uma cidadania no papel e outra cidadania cotidiana, conquistada no dia-a-dia, no exercício da vida prática; tal é que ainda hoje discute-se nas altas esferas da jurisprudência brasileira se o cidadão negro é ou não é injustiçado pela história da nação.[17] Considere-se que na perspectiva de uma cidadania plena, equilibrada e consciente, não haveria de persistir por tanto tempo tal dúvida.
O mesmo se pode dizer da cidadania da mulher brasileira: a Lei 11.340 de 7 de Agosto de 2006[18], a chamada "Lei Maria da Penha", criou mecanismos "para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher". Ou seja, garantir sua liberdade civil, seu direito de ir e vir sem ser agredida ou maltratada. No caso da mulher, em geral, a lei chega com atraso, como forma de compensação, como retificação de várias injustiças históricas com o gênero; o direito de votar, por exemplo, conquistado através de um "código eleitoral provisório" em 1932, ratificado em 1946.[19] A lei do divórcio obtida em 1977,[20] ratificada recentemente pela chamada Nova Lei do Divórcio,[21] ampliando a conquista da liberdade civil de outra metade da população brasileira.[22] São exemplos de como a cidadania é conquistada, de forma dramática -- por assim dizer --, a custa de esgotamentos e longas negociações políticas.
Neste contexto, a lei torna-se o último recurso da cidadania, aquela cidadania desejada, praticada no cotidiano, não é difícil encontrar nas manchetes e notícias dos jornais diários brasileiros práticas que contradizem as leis e subvertem o estado do direito, não apenas contra negros e mulheres, mas também contra trabalhadores assalariados, agricultores sem-terra, indígenas, deficientes físicos, deficientes mentais, homossexuais, crianças, adolescentes, idosos, aposentados, etc.[23] Um caso prático para ilustrar esta realidade cotidiana é a superlotação dos presídios e casas de custódia; a rigor, os direitos humanos contemplam também os infratores, uma vez que, conforme mencionamos, “toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
Se existem leis que visam reparar injustiças, existe também uma longa história de lutas cotidianas para conquistar estes direitos: o direito à liberdade de expressão,[24] o direito de organizar e participar de associações comunitárias, sindicatos trabalhistas e partidos políticos,[25] o direito a um salário justo, a uma renda mínima e a condições para sobreviver,[26] o direito a um pedaço de terra para plantar e colher,[27] o direito de votar e ser votado --[28] talvez o mais elementar da democracia moderna, negado a sociedade, na já longa história da cidadania brasileira.[29] É esta luta cotidiana por direitos elementares que define a cidadania brasileira e não os apelos ao pertencimento, ao nacionalismo, a democracia e ao patriotismo do cidadão-comum.
Pode-se entender, portanto, que a cidadania brasileira é a soma de conquistas cotidianas, na forma da lei, de reparações a injustiças sociais, civis e políticas, no percurso de sua história e, em contrapartida, a prática efetiva e consciente, o exercício diário destas conquistas com o objetivo exemplar de ampliar estes direitos na sociedade. Neste sentido, para exercer a cidadania brasileira em sua plenitude torna-se absolutamente necessário a percepção da dimensão histórica destas conquistas no percurso entre passado, presente e futuro da nação. Este é o caminho longo e cheio de incertezas, inferido por José Murilo de Carvalho. Esta é a originalidade e especificidade da cidadania brasileira.
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente "ligado" à noção de direitos, especialmente os direitos políticos, que permitem ao indivíduo intervir na direção dos negócios públicos do Estado, participando de modo direto ou indireto na formação do governo e na sua administração, seja ao votar (direto), seja ao concorrer a um cargo público (indireto).[3] No entanto, dentro de uma democracia, a própria definição de Direito, pressupõe a contrapartida de deveres, uma vez que em uma coletividade os direitos de um indivíduo são garantidos a partir do cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade[4] Cidadania, direitos e deveres.
História
O conceito de cidadania tem origem na Grécia clássica, sendo usado então para designar os direitos relativos ao cidadão, ou seja, o indivíduo que vivia na cidade e ali participava ativamente dos negócios e das decisões políticas. Cidadania, pressupunha, portanto, todas as implicações decorrentes de uma vida em sociedade.[5]
Ao longo da história, o conceito de cidadania foi ampliado, passando a englobar um conjunto de valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos de um cidadão "Cidadania: direito de ter direito"
Nacionalidade
A nacionalidade é pressuposto da cidadania - ser nacional de um Estado é condição primordial para o exercício dos direitos políticos. Entretanto, se todo cidadão é nacional de um Estado, nem todo nacional é cidadão - os indivíduos que não estejam investidos de direitos políticos podem ser nacionais de um Estado sem serem cidadãos.
No Brasil
Os direitos políticos são regulados no Brasil pela Constituição Federal em seu artigo 14[6], que estabelece como princípio da participação na vida política nacional o sufrágio universal. Nos termos da norma constitucional, o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos, e facultativos para os analfabetos, os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos e os maiores de setenta anos.
A Constituição proíbe o alistamento eleitoral dos estrangeiros e dos brasileiros conscritos no serviço militar obrigatório, considera a nacionalidade brasileira como condição de elegibilidade e remete à legislação infra-constitucional a regulamentação de outros casos de inelegibilidade (lei complementar n. 64, de 18 de maio de 1990).
História e análise da cidadania no Brasil
O historiador José Murilo de Carvalho define cidadania como o exercício pleno dos direitos políticos, civis e sociais, uma liberdade completa que combina igualdade e participação numa sociedade ideal, talvez inatingível.[7] Carvalho entende que esta categoria de liberdade consciente é imperfeita numa sociedade igualmente imperfeita. Neste sentido, numa sociedade de bem-estar social, utópica, por assim dizer, a cidadania ideal é naturalizada pelo cotidiano das pessoas, como um bem ou um valor pessoal, individual e, portanto, intransferível.
Esta cidadania naturalizada é a liberdade dos modernos, como estabelece o artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948: "toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal."[8] A origem desta carta remonta das revoluções burguesas no final do século XVIII, sobretudo na França e nas colônias inglesas na América do Norte; o termo cidadão designa, nesta circunstância e contexto, o habitante da cidade "no cumprimento de seus simples deveres, em oposição a parasitas ou a pretensos parasitas sociais”.[9]
A etimologia da palavra cidadania vem do latim civitas, cidade, tal como cidadão (ciudadano ou vecino no espanhol, ciutadan em provençal, citoyen em francês). Neste sentido, a palavra-raiz, cidade, diz muito sobre o verbete. O habitante da cidade no cumprimento dos seus deveres é um sujeito da ação, em contraposição ao sujeito de contemplação, omisso e absorvido por si e para si mesmo, ou seja, não basta estar na cidade, mas agir na cidade. A cidadania, neste contexto, refere-se à qualidade de cidadão,[10] indivíduo de ação estabelecido na cidade moderna.[11] A rigor, cidadania não combina com individualismo e com omissões individuais frente aos problemas da cidade; a cidade e os problemas da cidade dizem respeito a todos os cidadãos.
No Brasil, nos léxicos da língua portuguesa que circularam no início do século XIX, observa-se bem a distinção entre os termos cidadão (em português arcaico, cidadam) e o fidalgo, prevalecendo o segundo para designar aquele indivíduo detentor dos privilégios da cidade na sociedade de corte.[12] Neste contexto, o fidalgo é o detentor dos deveres e obrigações na cidade portuguesa; o cidadão é uma maneira genérica de designar a origem e o trânsito dos vassalos do rei nas cidades do vasto império português. Com a reconfiguração do Estado a partir de 1822, vários conceitos políticos passaram por um processo de resignificação; cidadão e cidadania entram no vocabulário dos discursos políticos, assim como os termos Brasil, brasileiros, em oposição a brasílicos. Por exemplo: povo, povos, nação, história, opinião pública, América, americanos, entre outros.[13]
A partir disso, o termo cidadania pode ser compreendido racionalmente pelas lutas, conquistas e derrotas do cidadão brasileiro ao longo da história nacional, a começar da história republicana, na medida em que esta ideia moderna, a relação indivíduo-cidade --- ou indivíduo-Estado -- "expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo (...)”.[14] Em outros termos, fundamenta-se na concessão do Estado das garantias individuais de vida, liberdade e segurança. O significado moderno da palavra é, portanto, incompatível com o regime monárquico, escravista e centralizador, anterior à independência política do Brasil. No entanto, este o divisor (monarquia-república) não significa no Brasil uma nova ordem onde a cidadania tem um papel na construção de sociedade justa e igualitária. Este aspecto é bem pronunciado na cidadania brasileira: estas garantias individuais jamais foram concedidas, conquistadas e/ou exercidas plena e simultaneamente em circunstâncias democráticas, de estado de direito político ou de bem-estar social.
O longo caminho inferido por José Murilo de Carvalho refere-se a isto: uma cidadania no papel e outra cidadania cotidiana. É o caso da cidadania dos brasileiros negros: a recente Lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989[15] é um prolongamento da luta pela cidadania dos "homens de cor", cujo marco histórico formal é a Lei Áurea de 1888; ou seja, um século para garantir, através de uma lei, a cidadania civil de metade da população brasileira, se os números do ultimo censo demográfico estão corretos;[16] portanto, há uma cidadania no papel e outra cidadania cotidiana, conquistada no dia-a-dia, no exercício da vida prática; tal é que ainda hoje discute-se nas altas esferas da jurisprudência brasileira se o cidadão negro é ou não é injustiçado pela história da nação.[17] Considere-se que na perspectiva de uma cidadania plena, equilibrada e consciente, não haveria de persistir por tanto tempo tal dúvida.
O mesmo se pode dizer da cidadania da mulher brasileira: a Lei 11.340 de 7 de Agosto de 2006[18], a chamada "Lei Maria da Penha", criou mecanismos "para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher". Ou seja, garantir sua liberdade civil, seu direito de ir e vir sem ser agredida ou maltratada. No caso da mulher, em geral, a lei chega com atraso, como forma de compensação, como retificação de várias injustiças históricas com o gênero; o direito de votar, por exemplo, conquistado através de um "código eleitoral provisório" em 1932, ratificado em 1946.[19] A lei do divórcio obtida em 1977,[20] ratificada recentemente pela chamada Nova Lei do Divórcio,[21] ampliando a conquista da liberdade civil de outra metade da população brasileira.[22] São exemplos de como a cidadania é conquistada, de forma dramática -- por assim dizer --, a custa de esgotamentos e longas negociações políticas.
Neste contexto, a lei torna-se o último recurso da cidadania, aquela cidadania desejada, praticada no cotidiano, não é difícil encontrar nas manchetes e notícias dos jornais diários brasileiros práticas que contradizem as leis e subvertem o estado do direito, não apenas contra negros e mulheres, mas também contra trabalhadores assalariados, agricultores sem-terra, indígenas, deficientes físicos, deficientes mentais, homossexuais, crianças, adolescentes, idosos, aposentados, etc.[23] Um caso prático para ilustrar esta realidade cotidiana é a superlotação dos presídios e casas de custódia; a rigor, os direitos humanos contemplam também os infratores, uma vez que, conforme mencionamos, “toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
Se existem leis que visam reparar injustiças, existe também uma longa história de lutas cotidianas para conquistar estes direitos: o direito à liberdade de expressão,[24] o direito de organizar e participar de associações comunitárias, sindicatos trabalhistas e partidos políticos,[25] o direito a um salário justo, a uma renda mínima e a condições para sobreviver,[26] o direito a um pedaço de terra para plantar e colher,[27] o direito de votar e ser votado --[28] talvez o mais elementar da democracia moderna, negado a sociedade, na já longa história da cidadania brasileira.[29] É esta luta cotidiana por direitos elementares que define a cidadania brasileira e não os apelos ao pertencimento, ao nacionalismo, a democracia e ao patriotismo do cidadão-comum.
Pode-se entender, portanto, que a cidadania brasileira é a soma de conquistas cotidianas, na forma da lei, de reparações a injustiças sociais, civis e políticas, no percurso de sua história e, em contrapartida, a prática efetiva e consciente, o exercício diário destas conquistas com o objetivo exemplar de ampliar estes direitos na sociedade. Neste sentido, para exercer a cidadania brasileira em sua plenitude torna-se absolutamente necessário a percepção da dimensão histórica destas conquistas no percurso entre passado, presente e futuro da nação. Este é o caminho longo e cheio de incertezas, inferido por José Murilo de Carvalho. Esta é a originalidade e especificidade da cidadania brasileira.
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